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Ron Mueck

Lembro-me bem da repercussão que teve a primeira exposição de Ron Mueck na Fondation Cartier, que é a origem da exposição no Brasil este ano, em 2005. Recebia vários e-mails  com fotos da exposição (não existia Facebook para compartilhar na época), muitas vezes, de pessoas que não tinham o menor contato com o mundo das artes. Lembro-me também de como eu me senti quando vi uma obra sua na Royal Academy of Arts em Londres, back in 1997, na Sensation, uma das exposições mais polêmicas da história da arte, quando seu trabalho como artista foi exposto pela primeira vez.

A pronúncia correta de seu nome é Ron “Muick”. É australiano (nasceu em Melbourne, em 1958), não tem formação artística tradicional/acadêmica e faz pouco mais de 15 anos que entrou no mundo das artes plásticas.

Antes de começar a produzir suas esculturas, Mueck fazia bonecos para a televisão (Sesame Street ), para a publicidade (seu trabalho ilustrou várias campanhas de papel higiênico, desodorizadores de ar, bebidas) e até colaborou no filme Labirynth  (1986), estrelado por David Bowie. Sua entrada no mundo artístico se deu completamente por acaso. Sua sogra, a — importante — pintora portuguesa Paula Rego, precisava de um boneco Pinóquio para uma de suas pinturas (que seria exibida posteriormente na Hayward Gallery), e pediu ao genro que o produzisse. Rego apresentou Mueck a Charles Saatchi, o maior colecionador de arte contemporânea da Inglaterra, que se impressionou com o trabalho e lhe encomendou algumas obras. E foi assim que ele largou o mundo da TV e da publicidade para se dedicar exclusivamente à escultura. Tendo como padrinhos Rego e Saachi, em poucos anos conseguiria reconhecimento internacional.

O trabalho hiperrealista de Mueck pode ser definido como mórbido e infinitamente detalhista. Quando fazia os bonecos para a mídia, não era preciso ter esse cuidado, já que apenas uma parte dos bonecos aparecia na tela ou na foto (ele guarda vários desses bonecos inacabados em sua casa em Londres). Já as suas obras de arte são impecáveis vistas de todos os ângulos, e é um convite para a contemplação. Mas, além do detalhismo e da perfeição, o que impressiona é a maneira como Mueck brinca com a escala; esse é o principal meio pelo qual as esculturas se expressam. Como disse o jornalista Jonathan Carter, do jornal britânico The Guardian, his work is lifelike but not lifesize(“sua obra é exatamente como a vida mas não tem o tamanho da ‘vida’”, em tradução libérrima). Suas esculturas — Mueck optou pela escultura porque acha que a fotografia “destrói a presença do objeto original” — podem ser gigantes ou pequeninas, o que faz com que nos sintamos sempre diante de algo meio bizarro, desconcertante, mas perturbadoramente real.
4430850719_215588cf29_b A escultura Dead Dad, de 1996 (acima), que ele expôs na Sensation, foi um dos fatores para sua notoriedade. Ela retrata o corpo nu de seu pai pouco tempo após a morte (que ele não pode presenciar) e é perfeito em cada ruga e em cada pelo (é a única obra onde utilizou seu próprio cabelo), mas do tamanho do corpo de uma criança, o que nos dá uma estranha sensação. A obra impressionou os críticos de arte. A partir daí, Mueck participou de diversas exposições individuais e coletivas na Inglaterra, Alemanha e Nova York e foi um dos selecionados para expor seu trabalho em outro evento polêmico, o Millenium Dome, em Londres, além de ter participado da 49ª Bienal de Veneza.
ron-mueck-mask-iiSaindo de uma obra pequenina para uma obra grande, com a Mask II (acima), se você tentar olhar por dentro da pequena abertura da boca, você poderá ver os dentes, a gengiva e até tem a impressão de que a escultura está salivando. E muitas outras esculturas nos fazem ter a impressão de que, a qualquer momento, vão sair dali, caminhar e falar com você.

Quanto ao material das obras, o látex sempre foi o mais utilizado para a criação das esculturas que tinham como objetivo retratar a textura da pele e do corpo humano. Mas, Mueck queria algo mais duro e mais preciso. Observando um detalhe na arquitetura de uma loja, perguntou à atendente qual era o material utilizado, de aspecto agradável e rosado. Era resina de fibra de vidro. Desde então, o material tem sido a matéria-prima base de toda a sua obra. Os pelos e cabelos — naturais, são colocados um por um, e dá a impressão de que eles estão realmente crescendo. Mas, mesmo com toda essa descrição, é preciso estar ao lado de uma de suas esculturas para sentir as provocações do trabalho de Ron Mueck, que é um dos grandes representantes da nova — já não tão nova assim — geração que ficou conhecida com Young British Artists.

Shoichi Iwashita

Compulsivo por informação e colecionador de moleskines com anotações de viagens e restaurantes, Shoichi Iwashita se dedica a compartilhar seu repertório através das matérias que escreve para a Simonde e revistas como Robb Report Brasil, TOP Destinos, The Traveller, Luxury Travel e Unquiet.

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