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Teatro Kabuki, luxo e drama para o povo há 400 anos

“O povão gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual.” Essa frase do maranhense que fez história no carnaval carioca, Joãosinho Trinta, não poderia descrever melhor a diferença entre os teatros clássicos japoneses, o no e o kabuki.

Enquanto o no — que vem praticamente inalterado desde o século 14 — é sóbrio, filosófico, sutil e sempre serviu de entretenimento para a aristocracia (a família imperial, os shogun — os governantes de facto  do Japão do século 12 ao século 19 — e os daimyo, os senhores feudais), o kabuki conquistou o demi-monde de Edo (atual Tóquio) e entretém as massas desde o século 17 com suas narrativas mega dramáticas e cenários, maquiagens e figurinos exuberantes e coloridíssimos (tem até bate-cabelo com enormes perucas — uma vermelha e a outra branquíssima — entre leão pai e leão filho, uma das cenas clássicas).

Apenas homens tocam, cantam e interpretam os papéis masculinos e femininos, e que foi um dos maiores temas do ukiyo-e, as pinturas e xilogravuras do período Edo que influenciariam os impressionistas Toulouse-Lautrec, Manet, Van Gogh e Degas depois da abertura do Japão para o mundo, o período Meiji. São mais de quatrocentos anos de história.

Assim como a música clássica, não há espaço para a improvisação no kabuki: cada expressão, cada gesto de mão, cada mexidinha nos kimono são minuciosamente coreografados; o controle absoluto dos atores sobre suas falas deliberadamente desafinadas, seus corpos e sobre todos os elementos de cena impressiona (li uma vez a entrevista de um grande ator kabuki onde ele dizia que observava até os momentos em que os atores especialistas naqueles papéis piscavam os olhos para fazer igual).

E, assim como na commedia dell’arte, os personagens principais das peças clássicas aparecem quase sempre como arquétipos: tem o vingado (katakiyaku), tem a belíssima cortesã do imperador (keisei), tem a mulher que é capaz de matar para conseguir algo para alguém que ama (dote no orokua), a criança (koikyu).

O COMEÇO DO KABUKI

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Por volta de 1600, a sacerdotisa Okuni de Izumo (em japonês, Izumo no Okuni) chegou a Kyoto acompanhada de belas dançarinas para apresentar canções e danças budistas com o propósito nobre de arrecadar fundos para o grande santuário da região. Mas, além de retratar dramas leves do cotidiano da classe plebeia, algumas apresentações faziam críticas ao sistema de governo feudal da época. Esse fato junto com os serviços extras que as artistas ofereciam aos mercadores e samurai após os shows, fizeram com que, em 1629, o kabuki de mulheres fosse proibido pelo governo sob pretexto de fazer frente à corrupção de costumes.

Os espetáculos passaram então a ser montados com jovens rapazes, acrobatas, vestidos de mulher, que trouxeram uma nova estética para o kabuki. Mas, em 1652, o Xogunato Tokugawa proibiu novamente as apresentações para desestimular o relacionamento entre os garotos e os samurai (assim como na Grécia antiga, a relação afetiva e sexual entre homens mais velhos e mais novos era aceito pela sociedade e só passou a ser tabu quando o vitorianismo inglês chegou ao Japão na era Meiji).

Só no ano seguinte, o governo liberaria a reabertura dos teatros mediante uma condição: a de que somente homens maduros poderiam atuar, solução que se manteve definitivamente até os dias de hoje. E assim surgiria a onnagata: atores homens especializados em papéis femininos. Na imagem acima, a xilogravura ukiyo-e Odori Keiyo Edo-e no Sakae.

ONDE ASSISTIR KABUKI

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Uma das experiências imperdíveis em Tóquio é assistir a um espetáculo kabuki no Kabuki-za V, no coração de Ginza. Como as apresentações são muito longas, eles oferecem a opção para turistas de assistirem a apenas um ato da peça, comprando um bilhete específico. Para saber tudo sobre o Kabuki-za para ter a melhor experiência kabuki, é só clicar aqui.

CURIOSIDADES SOBRE O KABUKI

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— Durante as peças — que tem duração aproximada de quatro a cinco horas — fãs fanáticos na plateia gritam o nome de seus atores prediletos durante pausas estratégicas para isso (tem até um nome: kakegoe); um fenômeno nada comum durante performances de teatro, especialmente no Oriente.

— No japonês, as palavras são escritas com ideogramas que, apesar de possuírem o mesmo som, podem significar coisas completamente diferentes; são as letras que “carregam” o significado e não o som pronunciado da palavra. Na época da sacerdotisa Okuni, “kabuki” significava “excêntrico” ou “inortodoxo”; atualmente (já que eles mudaram os ideogramas com os quais kabuki é escrito), “kabuki” significa: “ka” (música), “bu” (dança) e “ki” (técnica).

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Shoichi Iwashita

Compulsivo por informação e colecionador de moleskines com anotações de viagens e restaurantes, Shoichi Iwashita se dedica a compartilhar seu repertório através das matérias que escreve para a Simonde e revistas como Robb Report Brasil, TOP Destinos, The Traveller, Luxury Travel e Unquiet.

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