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Trèsind Studio, Dubai: uma imersão sensorial, intelectual e (quase) espiritual na complexa gastronomia indiana

No Trèsind Studio, são apenas dois horários fixos de jantar e apenas seis mesas com vista para a cozinha aberta. Imagem: Shoichi Iwashita

Em Dubai, come-se o mundo no meio do deserto. É sempre bom lembrar: sem fontes naturais de água doce, o emirado precisa importar cerca de 85% dos alimentos que consome, sendo que — com exceção das tâmaras — a produção local depende de uma agricultura vertical e hidropônica altamente tecnológica. Ainda assim, há restaurantes sofisticados de comida japonesa, eslava, peruana, portuguesa e grega, e até mesmo restaurantes bem específicos, como de comida típica da província chinesa de Sichuan. Todos com ingredientes vindos do mundo todo, em voos diretos, nos porões refrigerados da Emirates.

Na minha busca constante por um pouco de autenticidade no circuito da alta gastronomia deste emirado muçulmano, concluí que a cozinha indiana seria a que mais representa o tecido social e cultural local: afinal, quase 30% da população dubaitense é composta por imigrantes vindos desde que é um dos mais diversos, antigos e deliciosos países do mundo. Tem mais indianos que emiratis em Dubai.

E foi assim que cheguei ao incrível Trèsind Studio, capitaneado pelo jovem chef Himanshu Saini, natural da capital Nova Délhi, no extremo norte da Índia. O restaurante, aberto em 2018 e cujo nome vem do francês “très indien” (“muito indiano”; e eu achando que era algo mais autenticamente indiano), oferece um menu-degustação que é tanto um tour de force técnico-contemporâneo quanto uma aula magna sobre a pluralidade gastronômica da Índia; uma amostra de suas ricas paisagens, receitas e ingredientes. 

Essa viagem sensorial começou com um prato típico de rua: um delicioso pani puri, uma casquinha oca e crocante (o pani) que carrega em seu interior uma água aromatizada e saborosíssima (o puri); geralmente picante, que não foi o caso aqui. A receita, parte do menu dedicado ao Himalaia, foi servida sobre uma estrutura que recria o desenho da Palm Jumeirah. Imagem: Shoichi Iwashita
Parte dos pratos inspirados na gastronomia do deserto do Thar, o missi roti é um pãozinho feito com farinha de grão-de-bico, com curry de nopales (a folha do figo-da-índia, um cacto) e cebola tostada. O prato foi harmonizado com o lassi, uma bebida feita à base de iogurte, água ou leite que pode ser adoçada com alguma fruta e temperada com especiarias. Imagem: Shoichi Iwashita
Apresentação dramática para o prato que leva alcachofra assada nas cinzas, água de castanhas e chutney de limão-preto. Imagem: Shoichi Iwashita
Jaca, pau de canela e folhas de caril levemente empanadas. Imagem: Shoichi Iwashita

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GASTRONOMIA INDIANA MUITO ALÉM DA DIVISÃO NORTE-SUL

No meu conhecimento limitado sobre a gastronomia indiana, sei que a comida do norte desértico e montanhoso se caracteriza pelo consumo de laticínios (ghee, leitelho e paneer, o queijo de coalho de textura firme), e o sul, pelo uso do coco e seu leite, peixes e as muitas especiarias — lembremos que a Índia é a capital histórica desses muitos temperos que mudaram a história do mundo, com a produção concentrada no sul do país. 

Mas o Trèsind Studio vai além dessa divisão norte-sul, trazendo para o menu influências da gastronomia do grande deserto do Thar, no noroeste do país; das altas montanhas que formam os Himalaias; do planalto de Deccan, que separa o norte e o sul da Índia; e das tradições culinárias da costa voltada para diferentes mares — da Árábia, da baía de Bengala e do oceano Índico — onde estão as milhares de ilhas indianas.

Tudo bem que há uma liberdade poética, já que nem todos os pratos refletem exatamente essas regiões. Quando chegou um delicadíssimo tortellini recheado com gorgonzola dolce acompanhado de rassa (um curry mais líquido) de abóbora harmonizado com um sake junmaiginjo de Miyagi, me perguntei qual seria a relação desta etapa com as tradições culinárias do planalto de Deccan, tão distante da Itália quanto do Japão. 

De todo modo, precisei levar o cardápio para estudar em casa, junto com as minhas muitas anotações. O jantar é enciclopédico, com muitas, muitas referências, que vão da comida de rua revisitada por técnica sofisticada e apresentações elaboradíssimas (pense em papadum, missi roti, medu vada, khandvi, pani puri) à harmonização com bebidas diversas, de champagne a sake, passando por cerveja, chás, kombucha, coquetéis alcoólicos e sem álcool; interessante, mas que não funcionou muito bem com a comida apesar da beleza dos diferentes copos. 

Do crocante ao líquido, do frio ao quente, são muitas as texturas, as temperaturas e as camadas de sabores na cozinha de Himanshu; perfeitamente adaptada ao paladar internacional, uma vez que a picância ardente tão presente na Índia é praticamente inexistente nos pratos. E eu amo que, do salão à cozinha aberta para os comensais, toda a equipe é indiana, o que deixa a experiência ainda mais autêntica. A releitura do prato Onam Sadya (tradicional banquete vegetariano servido durante o festival de Onam, celebrado principalmente no estado de Kerala) é lindo de viver. O prato vai sendo construído na sua frente, à medida que cada garçom passa pela mesa trazendo um ingrediente.

SÃO DOIS RESTAURANTES TRÈSIND EM DUBAI

A entrada do Trèsind Studio — que não é o mesmo que o restaurante Trèsind. O Studio fica no Palm Jumeirah, o Trèsind fica no “continente”, antes de chegar ao Palm Jumeirah. Imagem: Shoichi Iwashita

São dois restaurantes Trèsind em Dubai, por isso é preciso ter atenção para não se confundir. O primeiro, mais informal, está dentro do hotel One & Only Royal Mirage. Já o gastronômico e triestrelado Trèsind Studio — restaurante tema desta matéria — fica dentro do complexo St. Regis Gardens, no “tronco” da Palm Jumeirah. 

Em termos práticos, é preciso saber que a proposta é intimista: são apenas seis mesas num ambiente de estética minimalista e iluminação teatral, para que nossa atenção esteja toda voltada para os pratos. O jantar acontece em dois turnos fixos, às 18h e às 21h15 — por isso, não se atrase, já que todos comem juntos —, com um único menu-degustação de 20 etapas (com versão vegetariana disponível) e duração de três horas. Não há menu à la carte, e o pagamento integral é exigido no ato da reserva, feita online, no site do restaurante (AED 1.350,00 por pessoa, cerca de USD 370,00, sem bebidas). E cancelamentos são reembolsáveis com até 48 horas de antecedência; após esse prazo, a multa é de 100%.

A ÍNDIA, O HINDUÍSMO E O VEGETARIANISMO

Por escolha pessoal e alinhamento com os princípios hinduístas de não violência, respeito pela vida e compaixão com todos os seres (ahimsa), optei pela versão vegetariana do menu (meu namorado seguiu com o menu tradicional). O hinduísmo, religião praticada por mais de 80% da população indiana, é tradicionalmente vegetariana, uma vez que a escritura sagrada Atharva Veda recomenda a abstenção da carne e proíbe o consumo de carne bovina. Apesar de as convenções terem mudado ao longo dos milênios, os brâmanes, a casta religiosa mais elevada da sociedade hinduísta, continuam não se alimentando de nenhuma carne animal. Tudo isso para dizer que pratos icônicos do chef, como o ghee roast (típico do estado costeiro de Karnataka) servido em um pau de canela queimada, estava melhor com a carne de jaca – que realça mais os temperos do ghee roast masala – que com o caranguejo-real da versão original. 

Se você é daqueles viajantes já cansados dos longos menus-degustação que caracterizam a alta gastronomia das últimas décadas, ainda assim vale visitar o Trèsind Studio para uma revisitação-consolidação do conhecimento sobre a gastronomia indiana. Apesar de ser um jantar longo e com muita comida — daqueles que chega uma hora que você já não aguenta mais comer e os pratos não param de chegar —, não é só um jantar com pratos lindos do começo ao fim. É uma celebração da Índia, da identidade e da cultura indiana.  

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Shoichi Iwashita

Compulsivo por informação e colecionador de moleskines com anotações de viagens e restaurantes, Shoichi Iwashita se dedica a compartilhar seu repertório através das matérias que escreve para a Simonde e revistas como Robb Report Brasil, TOP Destinos, The Traveller, Luxury Travel e Unquiet.

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