Um guia quase definitivo sobre a gastronomia japonesa e o que você pode esperar da experiência nos restaurantes japoneses do Japão
Na moda, na arquitetura, nas artes decorativas e da mesa, a França — através do rei-sol-Luís-14 e de seu ministro Colbert — codificou, exportou e internacionalizou a ideia de luxo tal como conhecemos hoje. Mas, quando o assunto é gastronomia, nenhum outro país desenvolveu uma cozinha tão sofisticada quanto o Japão: uma culinária que, ao longo dos séculos, se lapidou através do rigor técnico, da precisão dos gestos, de uma estética quase transcendental da perfeição e dedicação sem igual para a excelência, e, principalmente, através de um profundo conhecimento e respeito pelos ingredientes e os ciclos da natureza. O resultado: refeições aparentemente simples, de sabores minimalistas, mas com muitas camadas de complexidade — invisíveis para os não iniciados.
Essa combinação de fatores — baseada nos preceitos budistas — não apenas moldou a identidade culinária do Japão, através principalmente da cerimônia do chá, do shojin ryōri e do kaiseki (nessa ordem histórica), como também o transformou em uma referência mundial. Não à toa, com 218 estrelas, Tóquio ostenta hoje mais macarons Michelin que qualquer outra capital gastronômica. Mais que Paris (171), mais que o dobro de Nova York (96), proporção que se mantém desde a primeira edição do guia Michelin Tóquio, lançado em 2007. E vai além: a gastronomia japonesa é fonte de inspiração para grande parte dos maiores chefs do planeta, de Ferran Adrià a Thomas Keller, de René Redzepi a Daniel Humm, sem deixar de mencionar Alain Ducasse, Joël Robuchon e Virgilio Martinez, que assinam restaurantes autorais — e também estrelados — na capital japonesa. {Quer saber como fazer reservas para os melhores restaurantes no Japão para a sua viagem? Basta clicar aqui.}
Outra curiosidade é que o Japão é o único país do mundo onde você encontra restaurantes com três macarons Michelin com o mais baixo nível de conforto segundo o ranking do guia francês… Porque, assim como o mítico Sukiyabashi Jiro — que foi retirado do guia porque só aceita hoje clientes recomendados por habitués e fica no subsolo de um prédio comercial em Ginza, que passaria despercebido tamanha a simplicidade —, vários dos melhores japoneses têm ambientes minimalistas, onde os protagonistas são sempre o ingrediente e a técnica.
Conceitos contemporâneos tão hoje em voga como “local, sazonal e sustentável”, a valorização do ingrediente e a hospitalidade autóctone sob o conceito do omotenashi — que tomou o mundo como referência para a restauração e a hotelaria de luxo —, são, há muito tempo, indissociáveis da relação dos japoneses com a comida. Muito, muito antes de existir a preocupação com a origem dos ingredientes e as discussões sobre sustentabilidade. E é lindo viver essa relação entre comida, arte do servir e o ato de receber dos japoneses.
O Japão não só descobriu o umami — cientificamente, o quinto sabor —, tradicionalmente extraído de três ingredientes (a alga kombu, o peixe seco ralado katsuobushi e o cogumelo shiitake seco), com os quais são preparados o dashi, o caldo-base da gastronomia japonesa.
Tem também a absoluta precisão das facas, uma herança de séculos de tradição na forja de espadas para os guerreiros samurai. Tem os agricultores que cultivam alimentos em um nível de beleza e sabor que fazem com que um cacho de uvas Ruby Roman, morangos Bijin-hime ou Amaou, uma melancia Densuke e ainda um melão Yubai cheguem a custar centenas (e até milhares) de dólares. Tem a poesia visual da decoração dos pratos da gastronomia kaiseki e o serviço vestido de kimono em salas privativas com vista para jardins que replicam a ordem do universo, projetados para serem belos a qualquer hora do dia e em todas as estações do ano.
Comer no Japão é sempre um dos pontos altos de qualquer viagem, principalmente para o apreciador da boa mesa.
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COMER SUSHI ONDE O PRATO NASCEU E A DIFICULDADE PARA QUEM TEM MUITAS RESTRIÇÕES ALIMENTARES
O sushi surgiu em Edo, pouco antes de a cidade se transformar em Tóquio, a “capital do leste”; quando o imperador transfere sua corte de Quioto para lá, em 1868. Por isso, além de não ter nada mais incrível que comer sushi em seu lugar de origem, os mais tradicionais restaurantes de sushi da capital japonesa (e do mundo) descrevem o estilo de sua cozinha como edomae-zushi, que quer dizer de forma literal “em frente à Edo”; ou, através de um alargamento semântico, “ao estilo de Edo”. Como em Tóquio também está Toyosu, o maior e mais incrível mercado de peixes do mundo (que substituiu o lendário Tsukiji em 2018), se é a sua primeira viagem para o Japão, eu sugiro fortemente planejar suas reservas de restaurantes de sushi para Tóquio, deixando os restaurantes kaiseki para a sua cidade natal, Quioto.
Só é importante saber que, mesmo “amando comida japonesa”, comer comida japonesa no Japão é bem diferente de comer na grandississíma maioria dos restaurantes japoneses mundo afora. Por vários motivos:
1. Em uma busca sem fim pela perfeição, no Japão, cada restaurante tem uma, e apenas uma especialidade. Ou seja, assim como acontece nos tempura-ya, ramen-ya, tonkatsu-ya e soba-ya, nos sushi-ya, come-se apenas sushi (não vai ter yakisoba em um sushi-ya ou em nenhum outro dos “ya” citados).
2. Nos melhores restaurantes do Japão, o formato é quase sempre o omakase, um menu-degustação-confiança. Como na cozinha japonesa a sazonalidade é soberana, é o mestre itamaesan (o chef) e o sushi-chō quem decide o que você vai comer, com base no que tem de melhor na época, no dia; porque, lá, a cadeia gastronômica começa na lavoura e no mar, no trato com a matéria-prima. O que nos leva para o terceiro ponto.
3. São infinitas as espécies de peixes e frutos do mar no Pacífico — que vão muito além do atum, do pargo, do olho-de-boi e do péssimo-e-onipresente salmão — utilizados para o sushi nos restaurantes japoneses no Ocidente.
4. Tem ainda o fato de que os japoneses comem todas as partes dos peixes e não apenas os “filés”: das ovas do ouriço-do-mar (uni) e do salmão (ikura), à bochecha (hōhō), a barbatana (engawa) e o esperma do peixe (shirako), passando pelo fígado do tamboril — ankimo, considerado o foie gras do mar —, das vieiras ou o intestino do pepino-do-mar; todas elas, consideradas iguarias. Ou seja, por conta das barreiras linguísticas — não conte com garçons e chefs que falem inglês —, nem sempre você vai saber exatamente o que está comendo, já que são centenas as espécies de peixes — e suas partes, em diferentes idades, tempos e técnicas de maturação, com pele ou sem pele —, moluscos e crustáceos servidos (muito além da lagosta, do lagostim e daquele camarão rosa que se define apenas pelo tamanho VM ou VG); isso sem entrar nos reinos também-infinitos das verduras/legumes e dos fungos/cogumelos. É preciso estar aberto para provar coisas que você nunca comeu antes.
Um jantar de sushi no inverno é distinto de um no verão — não só pelo clima, mas porque espécies diferentes estão no auge do sabor em épocas distintas. Existe também um respeito pelo ciclo natural dos mares, de forma a evitar a sobrepesca de algumas espécies.
No verão, costumam estar excepcionais a sardinha (iwashi), a enguia (anago) e o ouriço-do-mar (uni). O camarão-mantis (shako) é uma iguaria de primavera e início de verão; e o tori-gai, outra iguaria, só é oferecido nos bons restaurantes de abril ao fim de maio.
No inverno, é a vez de brilharem o ankimo, do marisco vermelho (o akagai, 赤貝) e o atum gordo (ōtoro). Até o tempero do shari (o arroz do sushi) — que passa tão despercebido para os ocidentais, que consideram o arroz como um mero acompanhamento, enquanto ele é o grande protagonista dos sushi para os japoneses —, muda conforme a estação, e também varia de chef para chef.
E é nos balcões que acomodam apenas seis, oito comensais — ou seja, viajar em grupos grandes para o Japão não é uma boa ideia —, que eu amo observar os gestos precisos, delicados e econômicos com os quais cada itamae molda o shari, pincela de shōyu o neta (como é chamado o ingrediente que vai sobre o bolinho de arroz), e entrega, um a um, na sua frente, para que você o coma em uma bocada só, e na temperatura certa.
Nos restaurantes de sushi ao estilo edomae, você nunca vai encontrar aquele pratinho para encharcar de shōyu o seu sushi; é o próprio itamae quem pincela o neta de shōyu — são mais de 20 tipos de molhos que misturam soja e trigo e tamari (100% soja, sem glúten), alguns mais leves, que podem ser misturados com um pouco de dashi, outros mais encorpados —, entregando o sushi perfeito.
MINIMALISMO NO DÉCOR E NO PALADAR
Outra marca da culinária japonesa que eu gosto de destacar é o purismo: poucos ingredientes, temperos suaves, comedimento no uso da gordura e do sal, mas que está longe de ser uma comida simples na técnica. Os sabores são compensados através da complexidade da maturação e das fermentações. Um sushi, cuja composição é apenas uma fatia de peixe maturado por 3 a 60 dias; um tempura de batata doce, cujo açúcar carameliza lentamente na fritura; ou um pedaço de nabo que foi cozido por dias em três caldos diferentes para realçar o seu sabor (furofuki daikon, um prato típico de Quioto), apenas para citar alguns exemplos, representam o oposto da comida das cozinhas repletas de cremes, queijos e manteiga e de sabores superlativos do sal e das especiarias que vêm se tornando regra nos restaurantes-franquias internacionais; que venho chamando de “makotização” da gastronomia, em que o sabor original dos ingredientes desaparecem em meio a tanto tempero e sabor.
E AS SOBREMESAS?
Por fim, o que esperar das sobremesas? Assim como o uso moderado da gordura e do sal, o Japão não consome muito açúcar. Com a aberturas das fronteiras para o mundo — e a veneração dos japoneses pela gastronomia francesa —, você vai encontrar na Terra do Sol Nascente (o significado de Nihon, Japão em japonês), pâtisseries e viennoiseries no mesmo nível de qualidade dos melhores endereços parisienses (só com um pouquinho menos açúcar, para adequar ao gosto local). Mas, nos restaurantes tradicionais japoneses, não espere por grandes sobremesas. Uma fatia de um melão caro, um pedaço de omelete com um toque de açúcar ou até mesmo uma singela batata doce cozida podem fazer as vezes de sobremesa.
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