Budapeste e o filme de Wes Anderson
O filme O Grande Hotel Budapeste recria signos importantes do século 20. Logo na primeira panorâmica do hotel, há uma referência nem tão sutil ao sanatório alpino d’A Montanha Mágica, obra-prima do escritor alemão Thomas Mann. O volumoso livro é descrito como “uma viagem à decadência” pelo acadêmico Malcolm Bradbury. Tampouco é casual a escolha de Budapeste para o nome do filme: há óbvias coincidências históricas no enredo, já que Budapeste foi símbolo das grandes cisões europeias por quase todo o século 20 — notadamente, durante o entreguerras (período entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial) e a Guerra Fria (pós-Segunda Guerra até a extinção da URSS em 1991).
Até 1918, Budapeste foi também a segunda capital do extinto Império Austro-Húngaro (a primeira era Viena) e acabou por mais de dois séculos — seja como Império, seja como Hungria — oscilando entre as dominações do Oriente (Moscou) e do Ocidente (o eixo europeu, Berlim-Paris-Londres). Esmagada entre esses dois eixos de poder, buscou autonomia, fosse recorrendo ao nacionalismo chauvinista, fosse resistindo diretamente às diretivas soviéticas na Cortina de Ferro. Nesse sentido, o hotel e os personagens também metaforizam perfeitamente esse epicentro da geopolítica moderna, o Império Austro-Húngaro e os desdobramentos posteriores.
A começar pela própria ambientação do hotel, que salta do estilo faustoso, ainda que decadente do Império à quase assepsia do design socialista. Vale lembrar que trinta anos depois da Revolução Russa, em 1917, um terço da humanidade viveria sob regimes socialistas — incluindo a própria Hungria, de 1949 a 1989 — e o crescimento do ideário comunista como uma alternativa ao capitalismo era o maior temor das potências ocidentais. Nesse sentido, no hotel, vai-se dos lustres rococó ao padrão geométrico e abstrato das paredes. Sem falar no personagem Zero, que é uma das alegorias mais diretas ao Império Otomano, o “grande enfermo da Europa”, esfacelado no período entreguerras (o Império Otomano foi extinto em 1922) e que, gradativamente, vai ganhando poder geopolítico com a criação da República da Turquia.
Texto escrito por Ivo Yonamine, bacharel em Direito, tradutor, revisor e apaixonado por história.