A Dama Dourada
Não há quadro com história mais incrível no — difícil e muitas vezes obscuro — mundo das artes que Goldene Adele ou Woman in Gold, da fase dourada do pintor austríaco Gustav Klimt, cuja história é retratada no filme A Dama Dourada. Esse é o nome que o quadro recebeu quando foi roubado pelos nazistas para esconder o fato de que a retratada, a grande dame da sociedade vienense Frau Adele Bloch-Bauer, era judia. São quase 100 anos entre a pintura do quadro em 1907, a morte repentina de Adele em 1925, o roubo do quadro pelos nazistas (junto com outras 67 grandes obras de arte da coleção de Ferdinand Bloch-Bauer, marido de Adele) em 1938, o começo do processo em 2000 e a restituição pela Justiça e venda para o colecionador Ronald Lauder, herdeiro do império de cosméticos Estée Lauder, em 2006, por 135 milhões de dólares; o maior preço pago por um quadro na história até então. O processo judicial complexo e inédito — com desfecho completamente improvável — e que chegou à Suprema Corte norte-americana envolveu uma senhora judia refugiada de oitenta e poucos anos, e um país, a República da Áustria, que considerava a obra como parte de sua identidade nacional. Foi uma perda enorme para o país e para a Galeria Belvedere, um dos mais importantes museus de Viena, que havia comprado os quadros de Klimt que pertenciam aos Bloch-Bauer dos nazistas (eram seis obras, incluindo a Dama Dourada), onde permaneceram expostos por 68 anos. Uma história digna mesmo de filme.
Sobrinha e herdeira de Frau Adele e fugida do nazismo para Los Angeles, Maria Altman (nascida Bloch) é interpretada por nossa diva, a atriz Helen Mirren (já um motivo para assistir ao filme). Mas A Dama Dourada vai além e consegue fazer com que a gente queira pegar o primeiro avião para rever o quadro Adele Bloch-Bauer I, hoje exposta para o público na Neue Galerie (saiba tudo sobre esse lindo museu, clicando aqui), museu de Ronald Lauder especializado em arte germânica em Nova York (Klimt pintou mais um quadro de Adele, o Adele Bloch-Bauer II, mas esse, que também foi vendido em 2006, foi para um colecionador particular). Não antes sem fazer uma escala na elegante e cosmopolita Viena da década de 1930, tamanha a beleza da reconstituição da arquitetura, do mobiliário art déco e do figurino da elite culta da época.
Mas aí vem a nada glamurosa — e uma das mais tristes e revoltantes — parte da história do século 20: o nazismo e o Holocausto. E o pior: o apoio de praticamente toda a população germânica para as atrocidades de Hitler. O filme não faz a menor questão de esconder como até mesmo os austríacos hoje podem se comportar de maneira reprovável quando se trata de reparar as injustiças da guerra (atuando ainda como soldados nazistas, cumprindo seu “dever” para com a pátria, sem se importar com os meios?), impressão que é reparada com a existência de Hubertus Czernin, jornalista filho de nazista, que se esforça para ajudar Maria (depois, pesquisando, fiquei sabendo que uma das “vilãs” do filme, a Ministra Nacional da Educação e Cultura da época, Elisabeth Gehrer, é da direita, do Partido Conservador). Toda a riqueza dos judeus foi roubada para fortalecer o regime e integrar o patrimônio pessoal da alta cúpula nazista: joias, importantes obras de arte, negócios. E ricos que eram, os Bloch tiveram todo o seu patrimônio saqueado pelos alemães. Em termos de arte, até hoje são mais de CEM MIL obras ROUBADAS pelos nazistas que não foram devolvidas a quem de direito. Obras de arte compradas ou encomendadas por pessoas físicas, privadas, para decorarem suas residências, estão hoje expostas e fazem parte hoje da coleção de muitos museus do mundo.
Com a repercussão, a vitória e o dinheiro que ganhou (40% dos US$ 310 milhões que os cinco quadros amealharam durante o leilão da Christie’s em 2006), o advogado Randol Schoenberg, neto de dois grandes compositores austríacos judeus também fugidos do nazismo e instalados nos EUA, Arnold Schoenberg e Eric Zeisl, montou um escritório especializado em reaver obras de arte roubadas durante o regime nazista e o Holocausto.
Maria Altman morreu em 2011, aos 94 anos.
A belíssima atriz alemã Antje Traue no papel de Adele Bloch-BauerO quadro Adele Bloch-Bauer II, pintado em 1912 (cinco anos depois do primeiro) por Gustav Klimt. Imagem: Reprodução