Qual a diferença entre o Valpolicella e o amarone della Valpolicella (e por que o segundo é tão mais caro)?
As uvas em processo de secagem para a produção de vinhos recioto e amarone, esse que é considerado um dos grandes vinhos do Vêneto e da Itália. Imagem: Gianpiero Nadalli
No Vêneto, região do nordeste da Itália que é uma das maiores produtoras de vinhos do país (pense em 850 milhões de litros de vinho por ano), há todas as qualidades de suco de uva fermentada. De um lado, estão os mundialmente populares Soave, Valpolicella e Bardolino (vinhos leves, modestos e quase banais, produzidos em escala industrial), do outro, o grande vinho vêneto e um dos maiores vinhos da Itália: o amarone della Vapolicella (não nos esqueçamos do prosecco de Veneza).
Hoje, nosso tema é especificamente a Valpolicella (Valpolexèla em vêneto), essa região de colinas na província de Verona (e ao norte da charmosíssima cidade de Romeu e Julieta; diferentemente de Soave e Bardolino, não existe uma cidade chamada Valpolicella), onde são produzidos não só o Valpolicella classico, mas também o amarone, o recioto e o ripasso; todos eles feitos na mesma região, pelos mesmos produtores e com exatamente as mesmas castas de uva. Qual a diferença entre eles? Por que os Valpolicella têm teor alcoólico de 11% (e são mais baratos) e os amarones della Valpolicella, de 14% até 17% (e bem mais caros)?
Corvina veronese, rondinella e molinara são as três uvas nativas do Vêneto com que são produzidos todos os vinhos Valpolicella (e Bardolino também, que é a região vizinha). Mas a semelhança acaba aí. O que vai diferenciar um Valpolicella Classico de um amarone della Valpolicella é o método de produção particular e antigo, já descrito em detalhes por Cassiodoro, ministro do Rei Teodoro de Ravenna, no começo do século 6.
Enquanto o Valpolicella é feito como a maioria dos vinhos tintos secos (uvas esmagadas logo após a colheita, iniciando o processo de fermentação, que é transformação do açúcar em álcool), para a produção do amarone, as uvas só serão esmagadas quatro meses depois. Isso por que durante esses 120 dias, as uvas ficam em esteiras secando, perdendo água, encolhendo, concentrando o açúcar, e se transformando em uvas (quase) passas, perdendo 35% do seu peso (processo que se chama em italiano, appassimento). Logo, as uvas colhidas nas duas primeiras semanas de outubro (a colheita do Valpolicella acontece no fim de setembro quando as uvas estão menos maduras) só serão esmagadas no fim de janeiro ou começo de fevereiro do ano seguinte.
QUAL A DIFERENÇA ENTRE O AMARONE E O RECIOTO?
Só que essas uvas passificadas não são utilizadas apenas para produzir amarone, mas também o recioto della Valpolicella, o vinho doce — e surpreendentemente gostoso — do Veneto. E a diferença entre o recioto e o amarone é que para o recioto, a fermentação é interrompida antes que todo o açúcar se transforme em álcool, ficando com açúcar residual, o que faz dele um vinho doce. Já no amarone todo o açúcar é transformado em álcool, produzindo portanto um vinho seco, mas denso e opulento, espesso e aveludado, quente e picante, e com elevado teor alcoólico, entre 14% e 17% (uvas menores produzem menos vinho; e quanto mais açúcar, mais álcool), o que faz com que o amarone seja perfeito para as noites mais frias de outono e inverno, com pratos rebuscados ou simplesmente acompanhado de queijos fortes (mesmo nos jantares, guarde sempre um copo para a etapa dos queijos antes da sobremesa, ainda mais se houver Parmiggiano-Reggiano). O amarone, que ganhou esse nome por ser mais “amargo” que o vinho doce (porque ele é feito com as uvas passas que seriam utilizadas nos vinhos doces), seria um recioto que fermentou completamente. E por inspirar a contemplação, é chamado pelos italianos de vino da meditazione.
QUANDO ABRIR SUA GARRAFA DE AMARONE?
Se o Valpolicella deve ser bebido levemente resfriado e jovem, com aproximadamente três anos (é um vinho leve, com pouco tanino, pouco álcool, não deve envelhecer; e prefira o Classico Superiore de bons produtores, que fica um ano envelhecendo na madeira), o amarone pode também ser tomado ainda jovem, com quatro ou cinco anos de idade, mas nada impede que a garrafa fique na adega por até 20 anos (sendo preciso deixá-lo pelo menos uma hora respirando no decanter antes de servir; alguns amarone aguentam mais de 20 anos). E o processo complexo — longa e arriscada desidratação das uvas (que podem apodrecer antes de secar), o dobro de uvas necessárias para produzir a mesma quantidade de vinho, e o envelhecimento em barricas de carvalho francês ou esloveno, mais envelhecimento em garrafa — faz com que o amarone seja um vinho caro. Garrafas de bons produtores, como Masi, Allegrini, Tedeschi, Speri, não saem por menos de R$ 350 no Brasil e US$ 50 no exterior. {Os vinhos Masi e Speri, você pode comprar no Brasil pela Mistral, clicando aqui.}
RIPASSO: O “BABY” AMARONE
E é aí que entram os mais acessíveis — e ótimos — ripasso e appassimento. O Campo Fiorin do Masi foi primeiro ripasso produzido e o método nada mais é que pegar um vinho Valpolicella recém-fermentado e acrescentar o bagaço que restou da produção de amarone (geralmente isso acontece na primavera após a colheita). O Valpolicella em contato com o bagaço do amarone por algumas semanas faz com que o vinho adquira mais cor, álcool, tanino e estrutura. E custa menos.
O mapa do Veneto com as regiões onde ficam os vinhedos de Valpolicella e Bardolino, a norte de Verona e a oeste do Lago di Garda. Imagem: Reprodução internet
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