O Grande Hotel Budapeste
A primeira coisa que chama a atenção no filme são as proporções de tela que o diretor Wes Anderson escolheu para a exibição: 4:3 (ou 1,33:1), a “janela clássica” dos filmes 35 mm para retratar as cenas que se passam nos anos 1930; 1,85:1, usada nos cinemas americanos e ingleses a partir dos anos 1960 para as cenas de 1968; e 2,35:1, a “janela panorâmica” para as cenas que se passam em 1985 (a proporção widescreen padrão que o cinema usa hoje é de 2,39:1 ou 12:5). Apesar da decisão do diretor — que eu respeito —, o que eu queria mesmo, e muito, era ver o lindo The Grand Budapest Hotel numa enorme tela iMax, em 3D, e poder “entrar” no hotel, na cozinha da Mendl, no palácio de Madame Céline Desgoffe-und-Taxis, sentir o cheiro do L’Air de Panache…
O filme é a história (sim, diferentemente de outros filmes do diretor esse tem uma história) da amizade que se desenvolve entre o lendário concierge charmosão Gustave H e o novo mensageiro, Zero, que conta para um escritor a vida de Monsieur Gustave durante a época de ouro do Grande Hotel de Nebelsbad na República Alpina de Zubrowka. Monsieur Gustave (poeta, homem de valores sólidos e leal até a último fio de cabelo), dedica sua vida ao hotel e à satisfação completa dos seus hóspedes (incluindo afeto e sexo para as grandes dames velhas, loiras, carentes e ricas), até que uma de suas fiéis clientes (foram 19 “temporadas”), Madame Céline Villeneuve Desgoffe-und-Taxis (AMO esses nomes compostos), morre em condições misteriosas e começa uma batalha pela herança da nobre senhora, que lhe deixa a mais importante obra de arte de sua coleção.
Os personagens fantásticos (destaque para Monsieur Gustave e o ensemble-noir formado por Jopling, Dmitri e suas irmãs) são interpretados pelo crème de la crème dos atores de filmes alternativos de que gostamos: além de Ralph Fiennes (incrível como Monsieur Gustave) e Adrien Brody (Dmitri), tem ainda Willem Dafoe (Jopling), Jude Law, Tilda Swinton, Harvey Keitel, Edward Norton e Bill Murray.
No quesito arte, dois quadros fazem parte da trama: Garoto com Maçã, do pintor fictício Johannes van Hoytl, o Jovem, é uma pintura à la Renascentista, que mistura o estilo de Hans Holbein, o Jovem (1497-1543) e Lucas Cranach, o Velho (1472-1553), e é substituído na parede por uma pintura — Duas Lésbicas se Masturbando — inspirada no estilo do pintor expressionista austríaco Egon Schiele (1890-1918). Mas, o mais incrível do filme — agora, no quesito literatura — seja o resgate que Anderson faz do Stefan Zweig (o filme é inspirado em sua obra), escritor austríaco que foi um dos mais populares do mundo nas décadas de 1920 e 1930 (até hoje, na França, entre os autores estrangeiros, só Shakespeare e Agatha Christie vendem mais que ele) e que se suicidou com a esposa no Brasil, em Petrópolis, em 1942, durante seu exílio (quando o nazismo estava em seu auge na Europa). Era amigo de Rimbaud e Thoman Mann, Einstein era seu fã, apresentou Dalí para Freud (a psicanálise seria a base do surrealismo), assistia Rodin trabalhando no seu atelier a acompanhava o trabalho de composição de Richard Strauss.
Além da direção de arte linda (tudo é impecável, coreografado, milimetricamente simétrico, gráfico, lúdico) e do humor de desenho animado, The Grand Budapest Hotel tem toda a filosofia do serviço dos grandes hotéis, com grandes lições sobre discrição, tolerância e dedicação, incluindo poesias de Monsieur Gustave durante o jantar dos funcionários. Um feel-good-movie perfeito para quem ama beleza e lobbies de hotéis como a gente.
P.S. Quer entender o papel de Budapeste na história do século 20 E no filme do Wes Anderson? Não deixe de ler a aula do Ivo Yonamine sobre as relações entre a história da cidade e o filme no post Budapeste e o filme de Wes Anderson, clicando aqui.