Maldivas: Um paraíso ameaçado pelo turismo e pelas mudanças climáticas, onde as belíssimas águas contrastam com o fundamentalismo islâmico
O que mais me incomoda quando o assunto é viajar para as Maldivas é a completa desconexão que a grande maioria dos viajantes tem com a cultura, a história e o povo desta república muçulmana radical e fundamentalista, quando uma das máximas do turismo do século 21 é justamente o contrário. Como dizer que se conhece um país quando a capital, Malé, onde mora metade da população maldiviana — e onde o álcool e bíquini são terminantemente proibidos —, é apenas um destino-baldeação; onde você pega um barco ou um hidroavião para, finalmente, chegar à bolha do seu hotel-resort-de-uma-rede-internacional, de onde você não vai sair? (Por isso, eu prefiro mil vezes o Taiti e, até mesmo as Seychelles.)
EM HIMANDHOO, ATÉ A MÚSICA É PROIBIDA
A beleza das águas fluorescentes em tons de pedras que vão da água-marinha à turquesa passando pelo topázio-azul — possíveis apenas em águas rasas cujo fundo é formado por areia branquinha — se contrapõe à realidade das mulheres maldivianas obrigadas a portar longos véus pretos em um destino paradisíaco de praia; ao fato de que, nas Maldivas, qualquer outra religião a não ser o islamismo é proibida (o único outro país do mundo assim é a Arábia Saudita) e as leis relacionadas ao casamento, adultério, filhos, vestimentas e consumo de álcool são regidas pela Sharia, a lei islâmica, que serve como Constituição através de uma interpretação bastante severa do Alcorão. Em Himandhoo, uma ilha a apenas 90 quilômetros da capital, até a música é terminantemente proibida. Realidade completamente oposta à experiência dos turistas que viajam para as Maldivas.
UMA DAS MAIS BELAS E RICAS ÁGUAS DO MUNDO
Tem também o fato de que esse país com mais de 1.200 ilhas coralinas — diferentemente das Seychelles, que são graníticas, e do Taiti, que são vulcânicas —, agrupadas em 26 atóis e que formam uma das mais belas paisagens do mundo é também uma das mais ameaçadas pelo aquecimento global. Com 99% do território do país formado por água e tendo o pico mais alto do arquipélago apenas um metro e meio acima do nível do mar, é esperado que, até 2050, 80% do país se torne inabitável, e bem provável que, com a elevação dos mares, as Maldivas deixem de existir em 2100…
Mas não tem como não se encantar com os belos projetos de hotéis, as areias brancas e a riquíssima vida marinha que a gente encontra fazendo um snorkeling de tirar o fôlego a poucos metros do bangalô pé-na-areia em muitos dos hotéis de luxo do arquipélago. Por conta das águas limpas e cristalinas, sem sedimentos em suspensão, a visibilidade é impressionante, de dezenas e dezenas de metros. Por conta das muitas formações de corais, os peixes possuem as mais vibrantes e magníficas cores. São mais de mil espécies de peixes, mais de 20 espécies de baleias e golfinhos, 400 espécies de moluscos, e outras 200 espécies de caranguejos e camarões. Das sete espécies de tartarugas marinhas, cinco são encontradas nas Maldivas; sendo a tartaruga-de-pente e a tartaruga-verde as espécies mais fáceis de encontrar.
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NA ROTA DAS ESPECIARIAS, DO BUDISMO AO ISLÃ
Também encanta a história do menor país da Ásia, localizada ao sul da Índia e próxima ao Sri Lanka, que fala e escreve divehi. Em localização estratégica na ultralucrativa rota das especiarias — entre a Índia ou a Indonésia e o mundo árabe — e, por isso, um ponto de encontro entre diversas culturas e religiões, as Maldivas foram frequentadas por mercadores, missionários e exploradores das mais diferentes procedências ao longo dos séculos. Da Índia, veio o budismo no século 3 a.C., religião predominante por mais de mil anos até a chegada do Islã em 1153, quando as Maldivas se tornam um sultanato muçulmano.
Os maldivianos, no entanto, não escaparam das consequências nefastas da colonização europeia. No século 16, assim como fizeram com grande parte do mundo, os portugueses invadiram o país; uma dominação que não durou 15 anos, já que foram expulsos por uma revolta liderada por Muhammad Thakurufaanu, até hoje herói nacional. Logo depois, vieram os holandeses. Entre 1887 e 1965, ano da independência, o país esteve sob a “proteção” britânica, seguindo o modelo das protodinastias que os ingleses instauraram em suas colônias.
Em comparação com a manipulação que perpetraram em todo o Oriente Médio para garantir os interesses econômicos e geopolíticos do Império, os britânicos foram menos invasivos nas Maldivas. O sultanato local mantinha controle sobre os assuntos internos e os britânicos administravam os assuntos externos, protegendo as ilhas da ocupação por seus rivais franceses e holandeses.
O PARADOXO TURISMO VS. FUNDAMENTALISMO
Interessantemente, o turismo e o fundamentalismo islâmico são produtos de uma mesma mente. Até o fim dos anos 1970 — quando chegou ao poder Maumoon Gayoom —, as Maldivas eram apenas um pobre arquipélago no meio do nada. Graduado na al-Azhar do Cairo, a mais renomada instituição para estudos islâmicos, Gayoom governou através da legitimidade religiosa e não pela popularidade. Através dele, e ao longo das três décadas em que esteve no poder, a abertura de novos resorts foi incentivada (o primeiro hotel nas Maldivas foi inaugurado em 1972), junto com a visão mais radical do Islã.
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