Manufacture des Gobelins: A manufatura mantida até hoje pelo Estado francês cujas tapeçarias não são vendidas nunca
Uma das coisas que mais me impressionam nas tapeçarias, principalmente as dos séculos 14 e 15, é que elas são quase superiores às pinturas da mesma época; e manufaturadas com fios de lã, de seda, de metais preciosos… Na foto, a Batalha de Zama (La Bataille de Zama), uma belíssima tapeçaria da Manufatura de Gobelins, que retrata a última batalha de Cipião Africano, o general à frente do exército romano, contra os cartagineses na Segunda Guerra Púnica. Foi feita originalmente para o rei François I, da França, em 1535. Imagem: Reprodução
Numa vila intacta do 13éme arrondissement (com capela, museu, casinhas, ruas de pedra e prédios modernos), o Estado francês mantém vivo um dos símbolos de excelência das artes decorativas francesas: a tapeçaria. A França, apesar das crises, é o único Estado no mundo a financiar uma atividade decorativa em nome da tradição. E apesar da longa história da Manufatura de Gobelins — que remonta aos anos 1440, com o tintureiro Jean Gobelin, famoso por seu vermelho escarlate —, a técnica com que são feitos os tapetes e as tapeçarias permanece intacta: artesãos com iPod nos ouvidos produzem peças que podem levar de dois a 10 anos para serem concluídas, há mais de 400 anos (a técnica, não o iPod).
Na Manufacture des Gobelins, a gente volta aos tempos do rei Henri 4 (Henrique 4), que, em 1601, instalou dois tapeceiros flamengos no local (os artesãos de Flandres eram disputadíssimos pelas cortes europeias), que foram sucedidos por seus filhos, até que, em 1660, Louis 14, o rei absoluto mais esplendoroso e ensolarado de todos os tempos, junto com seu Ministro das Finanças e o criador da indústria de luxo francesa, Jean-Baptiste Colbert, “importam” um holandês com um novo método de tingimento do escarlate (naquela época as cores não eram nada fáceis, imagine só) e assumem Gobelins. Nessa mesma época, Colbert convence o Rei-Sol da importância das artes decorativas como forma de incentivar a economia e as exportações francesas, além de, claro, dar um upgrade na imagem do Rei. E assim nasce La Manufacture Royale des Gobelins, que logo viraria sinônimo de excelência em qualidade, sofisticação e bom gosto em tapeçarias, sob a visão de Charles le Brun, primeiro-pintor do reino e diretor artístico, que faleceu aqui em Gobelins.
O mais interessante da visita a Gobelins é ver de perto o trabalho dos artesãos, que passam suas vidas trabalhando em tapeçarias grandes e complexas, num trabalho exigente e entediante, que leva anos e mais anos para ser concluído… ganhando 1.500 euros por mês e sem perspectiva de crescimento na profissão. E a surpresa é que, diferentemente do que a gente está acostumado a pensar, tanto em Gobelins (tapeçarias) quanto em Beauvais (tapeçarias) e em Savonnerie (tapetes) — que hoje ocupam o mesmo complexo de prédios — só são produzidas peças de artistas contemporâneos, que criam especialmente para esse fim (nada de folhagens rococó, figuras mitológicas e sagas espetaculares).
Diferentemente das tapeçarias de Aubusson, toda a produção das Manufaturas Nacionais, infelizmente, é exclusivamente destinada para a decoração das residências oficiais da França pelo mundo afora — nada é vendido — ou vão para o Arquivo Nacional, onde são catalogadas e armazenadas, até que algum embaixador ou o próprio presidente francês solicite a peça para trazer um pouco de cor e calor para sua casa.