Marina Abramović
O artista faz uma performance. O público, que geralmente é apenas espectador, interage com o artista e se torna, junto com o criador, a própria obra, que é filmada, editada, transformada numa instalação-nova-obra e exibida para outros públicos. “Performance vira vida e vida vira arte”. Essa é uma das fórmulas de exposição utilizadas pela artista sérvia — parte da ex-Iugoslávia — Marina Abramović, uma das precursoras do gênero performance art, que já registrava em vídeo suas primeiras apresentações na década de 1970, quando submetia seu corpo a condições extremas, com direito a cortes e sangue, quase morrer no meio de uma estrela de fogo (o fogo consumia o oxigênio e Marina desmaiou) e quase ser baleada quando colocou seu corpo completamente à disposição dos espectadores.
Se antes Marina chocava o público com suas apresentações nuas e/ou arriscadas, hoje, a artista é uma guru do tempo, uma xamã da observação e da paciência. Com nossa atenção completamente fragmentada por scrolls constantes na tela do celular, caixa de emails lotadas e uma agenda cada vez mais sufocante de compromissos, como imaginar que alguém consiga passar oito horas por dia, durante três meses (num total de 736 horas), sem falar, sem comer, apenas observando e sendo observada? Ou como lidar com o estranhamento de ser convidado pela artista a se sentar num banco de ferro e passar alguns minutos observando uma pedra em cima de uma mesa? Se antes os movimentos do corpo eram sua forma de expressão, o corpo de Marina hoje é apenas a morada para a mente, que faz com que seu corpo resista — com todas as restrições que ela impõe, de maneira quase transcendental — às longas performances.
A primeira retrospectiva de Marina Abramovic na América do Sul em cartaz no Sesc Pompeia não é nada grande (esperava mais por ser uma retrospectiva, incluindo reperformances, que são as obras seminais da artista “encenadas” por outras pessoas) e traz poucas mas algumas das principais obras da carreira da artista. A não ser pela sala com os Objetos Transitórios Para Uso Humano, trabalho desenvolvido no Brasil, que mais lembra um hospital de tratamento espiritual, na exposição da Marina Abramović você não verá as obras em si, mas os registros das obras, como os pôsteres de suas exposições e vídeos de suas performances mais marcantes. Mas você poderá ver a mesa e as cadeiras que a artista utilizou na talvez sua mais conhecida obra, The Artist is Present, que ela apresentou no MoMA de Nova York em 2010.
Mas, cerebral que é e se portando como uma papisa da arte performática, Marina criou sua escola, com método e tudo, que pode ser aprendido através dos workshops do Método Abramović, disponível sob inscrição durante todo o período da exposição, e também vista através do trabalho de oito artistas convidados que passaram por um intensivão do Método para criarem suas obras (para conhecer toda a programação disponível, clique aqui). E sendo o corpo dos artistas a própria obra, o mais legal da exposição é que todos os artistas — incluindo Marina — estão sempre presentes.