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Países desenvolvidos podem ser bem irritantes

Eu sou a pessoa mais calma, paciente e educada do mundo; e, em viagens, sempre tento me adaptar observando as regras de comportamento da cultura local. Mas se tem uma coisa que pode irritar não só a mim, mas a brasileiros — e nativos de outros países considerados “bagunçados” — em geral é essa extrema organização dos países desenvolvidos. A gente adora enaltecer as qualidades dos países onde tudo funciona; onde as pessoas são educadas, os serviços eficientes. Mas essas características influenciam — ou são consequências, sei lá — de um povo sempre certinho demais. E isso irrita. (Eles também se irritam com nossa falta de pontualidade, nossa falta de comprometimento, com nossa tranquilidade e ineficiência; normal… e viva as diferenças culturais :- )

Me lembro uma vez, logo que a Vosges Haut Chocolat abriu no SoHo nova-iorquino e era a sensação do momento. Fui com meu namorado, pedi quase todos os sabores das trufas para provar, e como queríamos dividir cada uma delas para que ambos provássemos, fui até o balcão pedir uma faquinha. Nossa. Por que eu fui fazer isso? Me senti um terrorista ao ver a atendente perturbadíssima me dando um SERMÃO sobre por que ela não poderia nunca-ever-jamás  me dar uma faca. Pedi para ela se acalmar por que eu só queria cortar as trufas ao meio e que se ela tivesse uma colherzinha de plástico para me dar, eu conseguiria realizar minha dificílima tarefa. “Ah, claro”, ela respondeu me dando a colher de plástico. Eu fervi por dentro. Em outro momento, em outra cidade dos Estados Unidos, quando os cartões de crédito ainda não vinham com chip  e a gente assinava o papelzinho a cada compra, eu tive de discutir com a caixa que não queria me deixar pagar com o cartão pois ele não estava assinado, mesmo eu mostrando meu passaporte com nome, com foto, com assinatura. Foi um problemão, com direito a gerente e tudo, para eu explicar que, no Brasil, a gente não assinava os cartões por que se alguém os roubasse (algo bastante comum no nosso país, infelizmente), essa pessoa teria a nossa assinatura e sabe-se-lá-Deus o que ela poderia fazer com ela. Eles entenderam, processaram a venda no cartão-problema. Mas eu saí da loja com muita raiva.

Aqui no Japão é a mesma coisa. Tem regra P A R A  T U D O. Tudo é minuciosamente explicado para que você não saia do script, do comportamento que é esperado de você. Não há espaço para o que não está no livro das regras, para a flexibilidade, para o bom senso. No banheiro masculino do aeroporto em Haneda, por exemplo, em frente a um dos mictórios tem a posição de como os pés devem ficar na hora fazer xixi. Logo ao lado, um granito cortado também no formato de pés, está o aviso de onde deve se formar a fila caso todos os mictórios estejam ocupados. Nas piscinas públicas, tem as raias para quem nada muito devagar, devagar, rápido, muito rápido. Hoje, fui a uma loja provar algumas roupas e, quando no provador eu coloquei minha mochila sobre o chão, a vendedora veio me comunicar que eu deveria colocá-la do outro lado da porta da cabine (eu ia  perguntar por quê, mas sabendo de como as coisas são por aqui, apenas obedeci; ah, também tem de tirar o sapato para entrar no provador, assim como você também tem de tirar o tênis para entrar no vestiário da academia; aí, se você está treinando e tiver de fazer xixi, tem tirar o tênis, fazer xixi, colocar o tênis de volta). No caixa, queria pagar uma parte da compra em dinheiro, outra parte no cartão. Não podia, era um ou outro. E qual foi a resposta quando eu perguntei se eu poderia deixar as sacolas na loja porque elas estavam pesadas e eu ainda ia andar? Muito educadamente, com toda aquela polidez japonesa para negar alguma coisa, quase chorando (parece que eles estão sofrendo profundamente)… NÃO.

Ah, tem Paris também. Uma vez estávamos viajando em quatro, passeando num bairro afastado, só tinha UM táxi parado no ponto esperando passageiro e ele não aceitou nos levar porque os taxistas podem se recusar a levar mais de três pessoas. A cena — pré-aplicativos de táxi — era surreal. Nós querendo sair dali, cansados, e o bendito parado no ponto, olhando para a nossa cara. Na Alemanha, se você ficar um pouco feliz e rir um pouco mais alto nos silenciosos ônibus, é bem provável que leve umas olhadas feias de senhoras idosas… O padrão aceito e esperado é o silêncio; e não ouse sair dele.

Aí, eu me lembro de um amigo italiano, que morou muitos anos no Brasil e foi transferido para o primeiríssimo mundo da Suécia. Ele vinha frequentemente ao Brasil porque precisava extravasar. Claro que essa organização extrema é a razão do desenvolvimento desses países. Mas ela, ao mesmo tempo, é demasiadamente opressora para pessoas acostumadas com a flexibilidade do jeitinho brasileiro  (e talvez até para eles próprios; meu pai é japonês, mora no Brasil há quarenta anos e acha o Brasil o melhor país do mundo e não tem a menor  vontade de voltar para o Japão…). E, sério, se você tem uma alma um pouquinho rebelde ou questionadora que seja, deve ser bem difícil viver num país assim.

paises-desenvolvidos-irritam-1200-1O cartaz com as regras do vestiário da Gold’s Gym em Kumamoto; tem outro cartaz com as Gym Rules na área de treino. Imagem: Shoichi Iwashita

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Shoichi Iwashita

Compulsivo por informação e colecionador de moleskines com anotações de viagens e restaurantes, Shoichi Iwashita se dedica a compartilhar seu repertório através das matérias que escreve para a Simonde e revistas como Robb Report Brasil, TOP Destinos, The Traveller, Luxury Travel e Unquiet.

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