Por mais hortas e menos farmácias
Por uma ocupação mais inteligente dos terrenos nas cidades. Chegar em uma linda e organizada horta orgânica com mais de 100 variedades de verduras, ervas e legumes utilizando transporte público (metrô e um ônibus) numa megalópole de concreto como São Paulo. O destino é São Mateus, na Zona Leste da cidade, uma das 21 hortas comunitárias do projeto Cidades Sem Fome, que ocupa terrenos públicos e privados, geralmente abandonados ou baldios, para produzir alimentos, abastecer os habitantes dos bairros (que sorte a deles) e gerar renda para as famílias que sobrevivem da atividade. Apesar de a prática ser cada vez mais comum em grandes cidades de países como Canadá e Suécia, por aqui, caminhamos a passos bem lentos.
Saindo do metrô Carrão e pegando o ônibus Terminal São Mateus, descemos num ponto em uma grande avenida comercial. A pergunta que vem à mente é: onde poderia haver uma horta por aqui? (Imaginava um lugar mais pobre, bucólico; sempre aquela ideia romântica da exótica pobreza quando se fala de periferia.) E basta andar meio quarteirão para encontramos o portão da horta. Em frente, outro terreno tem uma barraquinha na calçada, onde vendem-se berinjelas, alface e outros verdes.
O terreno é estreito e comprido. Grandes torres de energia cortam o terreno, da Eletropaulo, que tem um contrato de comodato com o projeto com cessão de vinte anos. Antes da ocupação do terreno pelo Cidades Sem Fome, o terreno baldio era espaço para usuários de drogas. Seu Genival – apelidado de seu Genial por um casal que fazia parte do grupo – nos recebe e já começa a apresentar sua produção. Como não se usa nenhum agrotóxico, planta-se arruda e flores nas laterais dos corredores para espantar, atrair e distrair os insetos (os insetos não apreciam o cheiro da arruda e são seduzidas pelas flores). Simples, inteligente, funciona. Como a sabedoria de seu Genival.
Como o objetivo do projeto é geração de renda para as famílias (mais de uma família ocupa o mesmo terreno), o foco da produção são alimentos que possuem um ciclo curto, do plantio à venda. Por isso, frutas não são plantadas (possuem um ciclo maior: uma jabuticabeira, por exemplo, do momento que se planta a semente só começa a dar frutos depois de 30 anos); apenas ervas, folhas e legumes. E diferentemente do que eu imaginava (“ah, são os agrotóxicos que deixam as coisas bonitas e apetitosas”), nunca vi folhas de hortelã, alfaces, manjericão, almeirão, cenouras tão bonitas e saborosas (provamos tudo num brunch preparado pelo chef Raphael Despirite utilizando só ingredientes da horta).
Ter um planeta com recursos finitos e conseguir alimentar 7 bilhões de pessoas – still counting – é um dos maiores desafios do século 21 (e seguramente dos próximos). Segundo um estudo de 2007, daqui a 15 anos, 80% da população mundial estará vivendo em cidades. As grandes empresas alimentícias – e de agrotóxicos – tomarão conta do campo, “expulsando” os pequenos agricultores (a política de financiamento público favorece os grandes latifúndios). Apesar de mais presente em outras áreas metropolitanas dos países desenvolvidos, todas essas iniciativas ainda são tímidas (falta estrutura, falta incentivo do governo, principalmente no Brasil), mas vale conhecer, divulgar e refletir sempre sobre como vamos fazer para alimentar todo mundo com saúde e de forma sustentável.
E se você tiver um restaurante e quiser comprar a produção da horta do seu Genival, basta ligar para 11 2735-4842 e agendar uma conversa com o Hans Dieter Temp, o idealizador do Cidades Sem Fome.
Para saber mais:
O site do Cidades Sem Fome é: cidadessemfome.org.br.
O Mesa Para Todos, que foi o nome da experiência de visita à horta, é um projeto do artista plástico Todd Lester, criador do Lanchonete.org (que celebra a onipresença dos balcões de lanchonete e seu papel no centro de São Paulo), foi organizada em parceria com o Mesa & Cadeira e fez parte da Bienal de Arquitetura.
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* O título deste post foi inspirado numa reflexão da chef Neka Mena Barreto, quando no ponto de ônibus para voltar para o metrô Carrão, observou a quantidade de farmácias que existiam na avenida em que estávamos.
São Paulo, 10 de novembro de 2013.