Avignon: A cidade-base perfeita para explorar esta bela e gastronômica região da Provence
Avignon, a cidade do vento violento (e acredite, mesmo no verão quando a temperatura chega a 30 graus no meio-dia, o vento que vem do norte, o famigerado mistral, pode ser bem fresco durante a manhã), é o ponto de partida para a nossa viagem pela Provence (fui pronto para me apaixonar de novo por Aix-en-Provence, mas desta vez foi Avignon que ganhou meu coração).
Além de ter um hotel pelo qual eu me apaixonei {confira a matéria clicando aqui}, sendo a única opção de hospedagem Simonde na cidade (e dois restaurantes incríveis; você vai conferir nas próximas publicações), a “Cidade dos Papas” que abriga o mais importante festival de artes dramáticas do mundo fica a apenas 2h40 minutos de Paris pelo TGV (o trem rápido, saindo da Gare de Lyon) e é a base perfeita para você visitar dois dos mais belos vilarejos da França (com as paisagens do Lubéron e alguns campos de lavanda de brinde; confira a matéria clicando aqui), os vinhedos do sul do Ródano (uma das regiões vinícolas mais antigas da França; pense nos vinhos intensos e dramáticos Châteauneuf-du-Pape e Côtes-du-Rhône), um engenho de azeite de oliva na ativa desde 1358, e ainda aproveitar, num ritmo mais campestre, a pé ou de bicicleta, esta cidade construída sobre rochas que segue com sua herança medieval (o palácio, a catedral, sua muralha de mais de quatro quilômetros) praticamente intacta.
Hoje, o passeio é pelos principais pontos que contam a história da cidade:
PONTE SAINT-BÉNÉZET
Capital do departamento da Vaucluse (e uma das capitais do teatro no mundo; você vai se espantar com a quantidade de pequenos teatros espalhados pela cidade — mas eles só funcionam durante o festival em julho) e posicionada na margem esquerda do rio Ródano (ou na rive gauche do rio Rhône, em francês), Avignon sempre foi estratégica; e, por isso, rica.
Um dos motivos do sucesso da cidade foi a construção da ponte Saint-Bénézet, no fim do século 12 (parte dela ainda está de pé e é possível visitá-la), sobre os escombros de uma estrutura romana já existente (como as pontes eram construídas em pedra e madeira, qualquer inundação ou condição inesperada inutilizava a ponte, exigindo reconstruções constantes).
Na época, a ponte era o único ponto de cruzamento entre as duas margens do Ródano, esse rio temperamental de correnteza fortíssima, em toda a sua extensão: do alto dos Alpes suíços, passando por Genebra, Lyon, Avignon e Arles, até desembocar no Mar Mediterrâneo.
Ou seja, turistas viajando para Roma e comerciantes querendo acessar os importantes portos da península itálica — Gênova, Pisa, Veneza — tinham os Alpes de um lado, o mar de outro, e a ponte Saint-Bénézet para cruzar o rio e seguir viagem.
E claro que o uso desta ponte comprida de 900 metros de comprimento, com 22 arcos — só restaram quatro —, tinha um preço (até os mercadores de Lyon, cidade a 200 quilômetros a norte de Avignon, que também fica às margens do Ródano, mas do lado direito, tinham como única opção a ponte para acessar o Mediterrâneo); o que rendia um bom e belo dinheiro a Charles II d’Anjou, Conde da Provença (entre outros muitos títulos, como Rei de Jerusalém e Rei de Nápoles) e dono de Avignon, que ainda não pertencia à França.
Mas, quando uma segunda ponte de mesmo tamanho foi construída no fim do século 13 a alguns quilômetros de distância, Avignon se tornaria importante por outro motivo…
CIDADE DOS PAPAS
Ninguém poderia imaginar que o papa e toda a sua entourage, a elite da instituição mais poderosa do Ocidente na época, depois de, pelo menos, nove séculos, pudesse deixar Roma e se distanciar da tumba do apóstolo Pedro (consegue imaginar a frase “Habemus papam” sendo dita fora do Vaticano?). Mas a península itálica (ainda uma colcha de retalhos de reinos independentes; a Itália unificada como país só passaria a existir no século 19) passava por uma fase difícil de lutas internas e o rei da França, Filipe IV, o Belo, abusado que era, irritou bastante a Igreja Católica e o papa Bonifácio VIII, ao tentar cobrar impostos da igreja na França para financiar suas lutas contra a Inglaterra (até então, os reis só poderiam cobrar impostos da igreja local para financiar as cruzadas). Assim, quando o diplomático Bertrand de Got, arcebispo de Bordeaux, é nomeado papa Clemente V em 1305, ele decide ficar mais próximo da França — e da Inglaterra, que ainda era católica — e escolhe Avignon como nova moradia (é preciso lembrar que a França era o maior mercado da Igreja Católica, que compra Avignon de Joanna I, condessa da Provence, descendente do Charles II d’Anjou, em 1348; Avignon pertenceria à Igreja até a Revolução Francesa, quando é finalmente integrada à França).
De 1309 a 1377, foram sete papas oficiais (todos franceses; Clemente V só nomeou cardeais franceses que, por sua vez, elegiam papas franceses, que eram bem próximos do Rei da França), terminando apenas quando começa uma enorme confusão: o Grande Cisma do Ocidente (os italianos queriam um papa italiano!). O papa Gregório XI decide voltar para Roma, mas um desentendimento entre os cardeais e o sucessor de Gregório faz com que Avignon eleja um novo papa além do Vaticano. E isso fez com que a igreja católica tivesse por quase 40 anos (!), DOIS PAPAS, até três (mais um em Pisa), simultaneamente. Só em 1417, a igreja reconheceria o papa de Roma como o oficial.
Claro que a chegada de Clemente V e a cúria (a corte do papa e toda a administração da Santa Sé) trouxe um problema de moradia para essa cidade de seis mil habitantes (parecido com aquele que enfrentou o Rio de Janeiro com a chegada inesperada de Dom João VI e sua corte); Avignon passaria de seis mil para 40 mil habitantes em poucos anos se tornando uma das maiores cidades da Europa. E é assim que foi construído o Palais des Papes, um palácio-fortaleza, o maior edifício gótico do Ocidente com 15 mil metros quadrados de área, em apenas 18 anos (pense que a Catedral de Notre-Dame de Paris levou 200 anos, a Duomo de Milão, 430), para abrigar apenas ao papa e seus empregados (cada cardeal construiu sua própria residência palaciana na cidade, que hoje são museus, hotéis e prédios públicos). O mais impressionante da visita ao Palais des Papes é que muitas das pinturas — como as dos aposentos do papa — continuam intactas, sem qualquer restauração. Mas, de resto, o que você vai encontar são muitos salões vazios que você vai ter de preencher com as histórias na sua cabeça.
A ARTE ITALIANA DO TRECENTO NO PETIT PALAIS
A Revolução Francesa de 1789 estatizou todas as propriedades da Igreja e também integrou Avignon à França, já que até então a cidade e o Condado Venaissimo (Comtat Vanaissin) pertenciam à Igreja Católica. E foi assim que a residência de um dos cardeais, adjacente ao Palácios dos Papas, se transformou no museu do Petit Palais (o grand palais era o palácio vizinho), que abriga a impressionante coleção (isso por que é só uma parte) de Giampietro Campana, comprada por Napoleão III para o Louvre, que foi cedida para Avignon. E, olha, os italianos devem se ressentir MUITO com o fato de que essa coleção belíssima de arte italiana medieval e renascentista — de todas as regiões da península — não esteja lá. Visita imperdível.
A PLACE DU PALAIS E A PLACE DE L’HORLOGE
As duas praças vizinhas, ambas amplas e com vários cafés e brasseries com mesas externas, não poderiam ser mais diferentes. Enquanto na Place do Palais são as edificações medievais dos séculos 12, 13 e 14 que sobressaem — uma esplanada de muita pedra e pouquíssimo verde, com o Palais des Papes, a Catedral de Notre-Dame des Doms, o Petit Palais (que era a residência de um cardeal) —, na Place de l’Horloge a arquitetura é do século 19, com o prédio da prefeitura que abriga o famoso relógio (que só dá para ser visto um pouquinho distante, da rue de Mons) e a Ópera de Avignon (guardada pelas esculturas de Molière e Corneille), que é um dos palcos oficiais do Festival de Avignon. É da Place de l’Horloge que sai a principal rua da cidade, a Rue de la République, inaugurada por Napoleão III com base nos valores haussmanianos; talvez a única rua reta de Avignon. :- ) Na foto, o prédio da prefeitura e a torre do relógio ao fundo. Imagem: Shoichi Iwashita
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