Qual é a relação entre o Cipriani, o Harry’s Bar, o Harry Cipriani e o Cipriani Downtown?
Apesar de terem conquistado o mundo, a origem do império Cipriani — e também da rede de hotéis, trens e cruzeiros de luxo Orient-Express, hoje Belmond — é uma só: Veneza e o Harry’s Bar, inaugurado 1931 pelo commendatore Giuseppe Cipriani. Bar simples, mítico, imperdível — e desde 2011, Patrimônio Histórico Nacional —, onde foram criados o carpaccio e o bellini (e que prepara um ótimo Dry Martini servido num copinho de shot, numa proporção super-dry intitulada Montgomery com azeitonas à parte, e um ainda aconchegante minestrone que combina perfeitamente com uma Veneza escura e nublada), Giuseppe abriu o Harry’s Bar com o dinheiro que um rico norte-americano, Mr. Harry Pickering, lhe deu quando ele era barman do muito bem frequentado Hotel Europa (conta a lenda que a família de Pickering cortara sua mesada e foi Giuseppe quem lhe emprestou dinheiro, devolvido anos depois com juros bem generosos: o suficiente para que Cipriani saísse do Europa e abrisse seu próprio bar). E até hoje o Harry’s é administrado pelo filho de Giuseppe, Arrigo Cipriani, já com mais de 80 anos de idade.
Com o sucesso do bar, três anos depois Giuseppe abre a Locanda Cipriani na tranquila Torcello (a uma hora e meia de barco da Piazza San Marco), com apenas seis suítes (até hoje sem TV, mas com pequenas bibliotecas em cada quarto), restaurante e jardins, que recebeu e ainda recebe nobres e intelectuais: de Hemingway, Chagall, Churchill e Ernst, em tempos passados, à Rainha Elizabeth II e o Príncipe Charles, que fazem visitas à propriedade em “caráter privado”.
Mas é na década de 1950 que Giuseppe dá seu maior passo, com a idealização de um hotel em Giudecca, esta ilha tranquila — e bastante acessível — com vista para a Piazza San Marco. Tendo como sócias as três filhas do Conde de Iveagh (a Viscondessa Boyd of Merton, Lady Honor Svedar e Lady Bridgit Ness, da centenária família Guinness), eles compram o terreno de 12 mil metros quadrados e o Hotel Cipriani é inaugurado em 1958. O sucesso foi tanto que, em 1968, eles compraram o terreno ao lado para construir a piscina; até hoje a única de Veneza. {Para saber como é se hospedar no Cipriani, não deixe de ver nossa crítica sobre o hotel, clicando aqui}.
Em 1976, o empresário norte-americano James Sherwood, hóspede habitué do Cipriani, compra o hotel de Giuseppe e das irmãs Guinness, durante um período difícil da história italiana, o do terrorismo das Brigadas Vermelhas, uma organização paramilitar que objetivava a revolução marxista. Um ano depois, Sherwood compra num leilão dois vagões de trem originais do Orient Express, a mítica linha de trem de luxo fundada em 1883 que fazia a rota Paris – Istanbul. Com muitos outros vagões de trem históricos comprados nos anos seguintes (mais de 35), em 1982 nasceria o Venice-Simplon Orient Express. A viagem, que não tem nada a ver com o Orient Express original a não ser pelos vagões originais que Sherwood comprou nos leilões, liga Londres a Veneza, onde os viajantes se hospedam no Cipriani, o primeiro hotel do que seria a Belmond (que até 2014 se chamava Orient Express), hoje com mais de 40 propriedades no mundo, incluindo o Copacabana Palace, no Rio de Janeiro (Sherwood comprou o Copa em 1989 e deu ao principal restaurante do hotel o nome Cipriani, uma homenagem ao primo de Veneza).
Assim, o hotel Cipriani de Veneza é a única propriedade que não pertence mais à família Cipriani, já na quarta geração, que segue administrando o Harry’s Bar, a Locanda Cipriani, e a rede de bares e restaurantes, a linha de massas e molhos Cipriani Pasta (e agora também hotéis) nos Estados Unidos (só em Nova York são cinco endereços entre o Harry Cipriani na 5ª Avenida e o Cipriani Downton, além do Cipriani Club Residences), no México, na Rússia, em Dubai e Abu Dhabi. Só não espere o mesmo Bellini do Harry’s Bar no Cipriani Downtown, onde ele é servido numa flûte em um ambiente sem a história e a tradição do original de Veneza.
O Bellini foi criado em 1948 aqui no Harry’s Bar, onde ele é servido neste copo pequeno, com pouco mais de dez centímetros de altura, e vem geladíssimo. A receita é simples: 30 ml de purée de pêssegos brancos (mais delicado que o amarelo) e 150 ml de champagne. Imagem: Shoichi Iwashita
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