Saint Laurent, agora, por Bertrand Bonello
Ambos os filmes têm o mesmo tema e foram lançados em 2014. Mas tudo é mais bonito no Saint Laurent de Bertrand Bonello em comparação com o Yves-Saint Laurent de Jalil Lespert: os atores (Gaspard Ulliel!!! — lindo, pelado e em nu frontal —, Louis Garrel!!!, Aymelide Valade!, e mesmo Jérémie Renier, que acompanho desde As Rosas Selvagens, tem seu charme), os enquadramentos, a composição das cenas, os móveis design do apartamento de Jacques de Bascher (o amante de Yves), a bela fonte que dá forma ao título do filme e que informa os anos em que as cenas se passam (meio à la Tom Ford, preciso dizer).
Como cinema também agrada mais. O Saint Laurent de Bonello, que não teve a aprovação do parceiro-de-toda-a-vida de Yves, Pierre Bergé, mas que teve o apoio de Henri-François Pinault, CEO da Kering, holding de luxo que hoje é dona da marca do estilista que revolucionou a maneira da mulher se vestir, é mais sutil e menos didático (só faz uma alusão à Dior), mais emblemático e menos romantizado que a versão de Lespert, que se arrasta, por ser cronológico demais. (Saiba mais sobre o outro filme, clicando aqui). Uma das partes mais incríveis do filme de Bonello é quando ele divide a tela em duas e, apresentando as peças icônicas dos desfiles haute-couture na partição direita (em cor, em ambiente sofisticado, limpo e silencioso, com roupas luxuosas e modelos lindas), mostra, na partição esquerda, cenas reais em preto-e-branco do que estava acontecendo no mundo naqueles mesmos anos (guerras, crises, manifestações, pobreza). Não importa a crise, o luxo nunca deixa de existir.
Entre idas e vindas, em cenas de diferentes épocas que se repetem (mas em ângulos diferentes), o filme brinca com nossa percepção. Seja quando uma ou várias cobras dividem a cama com Yves (cena simbólica), seja quando uma modelo vestida de smoking e outra completamente nua travam um diálogo sobre a vida do estilista mas na verdade estão fotografando uma campanha (cena meio simbólica, meio real), seja quando seis cachorros praticamente iguais surgem, um a um, no corredor de seu atelier (que a gente acha que é mais uma cena simbólica, mas não é), depois de Moujik, seu cachorro de estimação, em cenas aflitivas, morrer de um jeito que reflete tão nitidamente como a percepção alterada — ou inexistente — provocada pelo uso excessivo de drogas nos impede de agir em momentos cruciais, para ajudar ou salvar alguém, ou mesmo nos proteger e manter nossa integridade física. Yves Saint-Laurent teria outros quatro cachorros da raça bulldog francês, todos chamados com o mesmo nome, “camponês russo”, Moujik (I, II, III e IV); que hoje é o nome de uma bolsa da marca.
A versão de Bonello também consegue ser mais interessante ao mostrar um encontro entre o estilista e uma cliente de alta-costura que questiona a masculinidade de uma roupa feita pra ela, os termos da negociação entre Pierre Bergé e seus sócios investidores norte-americanos (que chegam a querer vetar o nome do perfume Opium porque eles são da indústria farmacêutica e apoiam as políticas antidrogas nos EUA) ou como Pierre Bergé, Jean-Pierre (um dos braços direitos do estilista no atelier) e equipe conseguem montar a coleção de alta costura mais cara da história da maison, a de 1976, sem a participação direta de YSL, apenas com os croquis desenhados por ele em Marrakesh.
Várias situações são retratadas em ambos filmes: o romance de Yves com Jacques de Bascher (e o chega-pra-lá que Berger dá para que o “gigolô” se afaste de seu companheiro; ele teria um caso com Karl Lagerfeld por vinte anos), o problema com o álcool e as drogas, o emblemático desfile de 1976. Outras, não. Como quando Yves é encontrado, ensanguentado, num canteiro de obras que serve de lugar de encontro entre gays para sexo anônimo ou quando o estilista tenta agredir Bergé enquanto ele dorme, uma agressão que poderia resultar em morte. O único porém, no entanto, é a escolha do ator Helmut Berger para interpretar o estilista já idoso no fim da década de 1980, que não lembra nem o Yves Saint-Laurent real nem o ator que interpreta o estilista no filme (eu cheguei a pensar que era Pierre Bergé envelhecido, e não YSL). Mas esse parece ser um problema do diretor. Quem assistiu Tiresia, seu filme de 2003, passou pelo mesmo problema de não reconhecimento de personagens.
De qualquer forma, assim como 2009 foi o ano de Chanel (com os filmes Coco Avant Chanel e Coco Chanel & Igor Stravinsky), 2014 foi o ano de Yves Saint-Laurent no cinema. E, assim como sugere o final do filme de Bonello, a nossa versão preferida, Yves está bem. E eternamente vivo na história da moda e em nossas memórias.