Trapaça
Edward Ellington foi o maior compositor de jazz da história. Negro numa América ainda institucionalmente racista e filho de dois pianistas, o “Duque”, como passou a ser chamado, não foi apenas um gênio musical, foi também um dos homens mais elegantes do século 20. Tinha controle total sobre sua imagem. Na sua fala sempre precisa e agradável, nunca se explicava, só se escondia. A persona que Duke Ellington criou para si e a música Jeep’s Blue — que “salva” várias vezes a vida de Sydney, personagem de Amy Adams — não poderiam ser melhor símbolo para o início do novo filme de David Russel, Trapaça (no original, American Hustler).
Trapaça não é apenas um filme de dois vigaristas que são forçados a colaborar com o FBI quando são pegos. É um filme que trata da luta e das sabotagens — com os outros e consigo — que desenvolvemos para sobreviver neste mundo, que não é para principiantes. Assumir uma nova identidade, criar esquemas ilícitos para ganhar dinheiro à custa da boa fé dos outros, fazer a “justiça” (mesmo que “injustamente”) para ascender profissionalmente e ficar famoso, subornar pessoas em nome do bem comum (sim, isso pode acontecer na política), ou mesmo se alienar numa vida de futilidade em que o cheiro do esmalte preferido — um perfume com algo de podre — seja um estilo de vida, são todos recursos que encontramos, dentro das nossas possibilidades, para se sair bem na vida ou, simplesmente, sobreviver. E a vida não é facil nem para os “bons” nem para os “maus”. É, pelo menos, o que mostra o filme.
A trilha sonora — ótima seleção de jazz e disco — está impecável. O figurino, principalmente dos personagens femininos, é incrível. Os penteados também chamam a atenção: os personagens femininos pelos excessos, e os masculinos pelas, digamos, “particularidades”: Christian Bale com um combover, Bradley Cooper de permanente, o prefeito com um topetón digno de Elvis Presley. E todos os atores em grande momento. Christian Bale, que engordou 18 quilos para interpretar Irving Rosenfeld (nem Robert de Niro, que faz uma ponta no papel de mafioso Tellegio, reconheceu o ator no set de filmagem), faz esse vigarista que engana as pessoas mas é um ótimo pai e sabe o valor do amor e da amizade. Bradley Cooper faz o agente da FBI doidão e está sexy as hell dançando na discoteca com Amy Adams, lindíssima, articulada e inteligente, com decotes sempre até o umbigo. E não podemos deixar de falar de Jennifer Lawrence, já inesquecível no papel de Rosalyn Rosenfeld, com falas surreais e numa antológica cena em que canta Live And Let Die enquanto faxina a casa.
Filme maravilhoso.