Como era voar no Concorde: A poltrona quase-econômica, o serviço primeira classe e a sensação de viajar no tempo
Foi um retrocesso para a aviação comercial. Eu tinha vinte anos, morava em Londres, ia regularmente para Nova York, e achava que os voos supersônicos existiriam para sempre. E já são de mais de quinze anos sem o Concorde.
Foram apenas doze os aviões — British Airways com sete e a Air France com cinco — que, por 27 anos, encurtaram as distâncias do mundo. E, mesmo com toda a tecnologia do século 21, não há qualquer previsão ou perspectiva para a próxima década de que exista novamente um voo comercial na velocidade Mach 2 (ou 2.500 km/h, ou ainda, duas vezes a velocidade do som, de 340 metros por segundo).
Quer acompanhar viagens pelos hotéis, restaurantes e destinos mais incríveis — e caros — do mundo, conferindo todas as dicas sobre como aproveitar o melhor de cada lugar? É só acessar o perfil @iwashitashoichi no Instagram,
clicando aqui.
VOLTA PARA O FUTURO
O voo BA001 da British Airways saía de Londres todos os dias, às 10h30 da manhã. E bastavam três horas e meia de viagem (metade da duração de um voo comum para o mesmo trecho, de 7 ou 8 horas, até hoje), para chegar à Nova York, no mesmo dia, às 9h. Ou seja, você chegava uma hora antes do horário que você tinha saído, porque, descontando o fuso horário decrescente entre a origem e o destino, o Concorde voava mais rápido que o movimento de rotação da Terra, de 1666 km/h.
Só a ideia de voltar no tempo ou não ter de levantar tão cedo e, ainda assim, chegar descansado e aproveitar o dia todo em uma cidade do outro lado do Atlântico me fascinava.
O fato de algumas madames londrinas irem num dia e voltarem no outro — para simplesmente almoçar com amigas, ir a uma festa, acompanhar alguma exposição ou fazer compras — também me intrigava (a US$ 10 mil a passagem ida e volta, nunca tive coragem de fazer isso; nessa época, não havia promoção nem Black Friday para comprar bilhetes).
E era pra mim o símbolo máximo do que era ser jet-setter. Ou de como o homem era capaz de ter criado esse feito incrível de ter transformado o planeta num grande quintal. E não só. Havia pessoas que faziam a mesma rota todas as semanas, transformando os lounges e as aeronaves em um clube exclusivo, onde amizades se formavam e negócios eram fechados.
PRIMEIRA CLASSE COM POLTRONA DE UMA QUASE-ECONÔMICA
O interior simples e sóbrio do Concorde da British Airways, com poltronas primeira classe que quase não reclinavam. Imagem: Bartolomeo Gorgoglione do site Planespotters.net.
O serviço utilizado no Concorde em foto publicada na Revista Colors #79. Imagem: Reprodução
O serviço utilizado no Concorde em foto publicada na Revista Colors #79. Imagem: Reprodução
O avião, com apenas 100 lugares, apesar de bem compacto — teto baixo, janelas minúsculas, poltronas confortáveis porém nada espaçosas e sem muita reclinação, na configuração 2 – 2 — era inteiro primeira classe (pense que até um Boeing 737 que faz ponte aérea tem seis assentos por fileira).
Já no terminal 4 em Heathrow, depois do check-in, todos os passageiros eram encaminhados para o Concorde Room, uma sala onde você tinha acesso ao que havia de melhor em comida (incluindo serviço à la carte), bebidas (champagnes safrados) e serviço (todas porcelanas Royal Douton e talheres desenhados por Sir Terence Conran); que hoje é o nome dos lounges da primeira classe da British Airways tanto no aeroporto de Heathrow, em Londres, quanto no JFK, em Nova York.
No avião, o banquete continuava: assim que atingíamos a velocidade Mach 2, iniciava-se o serviço de bordo, com um almoço de três etapas e mais vinhos, champagne, uísque.
A velocidade, o grande diferencial do Concorde (sem deixar de lado o design), era acompanhada por um quadro-relógio instalado na cabine para todos os passageiros verem.
Quando o avião atingia 40 mil pés de altitude, ele alcançava Mach 1 (1200 km/h; um Boeing 747, por exemplo, voa no máximo a 900 km/h, ou Mach .85). Isso em dez minutos de voo.
A 60 mil pés de altitude (18 quilômetros acima do nível do mar, uma altura onde as turbulências são inexistentes), quando barulho dos motores não pudesse mais incomodar o planeta de tão alto (o estrondo sônico), atingia-se a velocidade de cruzeiro: Mach 2, ou 2500 km/h.
A esta altura, pela janela, olhando pra baixo, via-se a curvatura da Terra. Pra cima, um azul escuro, bem diferente do céu claro que vemos nos voos comuns; tocávamos o espaço… Confesso que ficava um pouco perturbado com aquela paisagem, imaginar que estava tão longe do chão. Como o homem conseguira me levar de um lado para outro do mundo, tão alto, tão rápido, e ainda assim, em completa segurança, sem nenhum arranhão e com meu topete intacto?
No JFK, o serviço primoroso continuava. As malas nem iam para a esteira, já estavam nos aguardando. Ao sair para o desembarque uma fila de carros com motoristas aguardavam para levar todos os passageiros do Concorde para Manhattan, individualmente; serviço já incluído no valor da tarifa.
Encontrando um dos bilhetes antigos. Imagem: Shoichi Iwashita
LEIA TAMBÉM:
— Hidroavião: a emoção de ver dos céus as obras faraônicas em Dubai
— Eurostar, um guia completo (e por que você deve chegar cedo à estação)
— Voamos na Premium Economy da Air France: como é e quando vale a pena a diferença de preço?
Muito interessante mesmo. Pena que não eram considerados seguros
Bruno, havia vários problemas técnicos, de desenho da aeronave, mas considerando os acidentes fatais com o avião, me arrisco a dizer que o Concorde era relativamente seguro. O problema era que o custo para uma atualização do avião, com rotas que deixaram de ser lucrativas por muitos e muitos anos antes da aposentadoria, era muito alto para tão baixa demanda… Mas, quem sabe um dia a gente volte a voar em Mach 2… Obrigado pelo comentário!
Eu voei entre Paris e NYC. A louça e cardápios do Lacroix, os comissários em diner jacket e o brinde ofuscavam o aperto que era aquilo!
Incrível. Mesmo avião e estilos (British Airways x Air France) completamente diferentes. Obrigado pelo comentário, Rica!
para fins de estudos culinários, o que era servidos no menu, vc consegue se lembrar?
Fantástico, pena não ter voado.
E é uma pena que a gente não tenha mais a menor perspectiva de poder voar em Mach 2 na aviação comercial, João… Um abraço e obrigado pelo comentário, Shoichi
Engraçado, se ele voava mais veloz do que a velocidade de rotação da terra, então em um voo no sentido contrário da rotação, o tempo gasto para determinadas viagens tinha que ser menor ainda.
O tempo é o mesmo (ignorando vento) por causa que o tempo (médio) da viagem é calculado dividindo-se a distância (média) a ser percorrida pela velocidade (média) do avião com respeito a terra. Se a distância é D e a velocidade é V, então o tempo é D / V. Se o avião parte agora em sentido oposto, a distância é -D e a velocidade é -V, mas -D / -V = D / V, ou seja, o tempo é o mesmo.
Lembrando que, viajando a nível de Cruzeiro, vento não era um problema para o Concorde. Então podemos mesmo ignorar o vento…
Para estudos culinários, o que era servido no menu, alguma lembrança?