Dubai: O emirado do deserto que importa areia
A avenida Sheikh Zayed, artéria principal da cidade, que vai do Burj Khalifa e segue em direção à Abu Dhabi. Imagem: Reprodução
Ao entrar num avião Air France ou American Airlines com destino a Paris ou Nova York, a gente já se sente — por causa da comunicação da companhia e da tripulação quase toda nativa — na França ou nos Estados Unidos, ainda em solo, no Aeroporto de Guarulhos ou no Galeão. Entrar numa aeronave Emirates é totalmente diferente: não existem tripulantes emiradenses (a grande maioria nem árabe fala), o que é sempre anunciado no speech: “Temos a bordo tripulantes de 37 nacionalidades, falando 53 idiomas” (tô exagerando: geralmente são dez nacionalidades e dez línguas diferentes).
O que reflete, tão quanto a Lufthansa ou a JAL, exatamente o que Dubai é hoje: um emirado novo-rico e internacional que se esforça para estar aberto para o mundo — uma estratégia para não depender de uma atividade econômica sem futuro: o preço do barril do petróleo é hoje US$ 50 quando era de quase US$ 150 em 2008 — e criar uma economia baseada no comércio internacional e no turismo, objetivos conquistados com sucesso, já que essas atividades respondem hoje por 95% da economia dubaití.
Mas foi com o dinheiro do óleo, descoberto na região em 1966, que tudo isso foi possível. Foi com o dinheiro do ouro negro que Dubai pulou do século 18 para o século 22 em apenas uma geração. A gente só não pode se esquecer de que, apesar dos véus da modernidade, estamos em um país muçulmano.
Dubai é um emirado regido pela charia (a lei islâmica), de monarquia absoluta, de regime político autoritário, onde você não pode sair na rua bêbado; andar de mãos dadas ou dar beijos em público no sexo oposto — nem na bochecha, e de forma alguma tocar uma mulher se você for homem —; onde a homossexualidade é crime e é punida com 10 anos de prisão (apesar de a polícia fazer bastante vista grossa, fazendo com que Dubai seja o paraíso dos gays do Oriente Médio); e onde uma mulher estrangeira, solteira e grávida será deportada do país (uma australiana, ao denunciar um estupro, foi condenada a oito meses de prisão por ter tido relação sexual fora do casamento; outra estrangeira, uma norueguesa, foi condenada, em apenas quatro dias, num julgamento todo em árabe, a 16 meses de prisão pelo mesmo motivo, tendo tido seu passaporte e dinheiro confiscados). Por isso, conheça os códigos e não entre em problemas.
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NÃO SE FALA ÁRABE EM DUBAI
As abras, táxis aquáticos muito baratos (a passagem custa 1 dirham, ou R$ 0,90) que te levam de um lado para o outro do Dubai Creek, o riacho em volta do qual o emirado nasceu. Imagem: Shoichi Iwashita
E eu que, na primeira vez, fui querendo aprender mais algumas palavras em árabe… não tive sucesso. Nem os emirati falam Al-ʻarabiyyah quando fora de casa, já que 85% da população deste território governado por um emir, que é um dos sete Emirados Árabes Unidos, é formada por estrangeiros (a não ser no controle de imigração do aeroporto, onde trabalham os privilegiados funcionários públicos, você não encontrará um prestador de serviço emiradense; nenhum taxista, vendedor de loja ou funcionário de hotel que seja originário de Dubai: todos são estrangeiros, e do mundo todo, que se comunicam entre si — e com os turistas e com os nativos — em inglês).
Mas também tem um aspecto histórico: a região foi ocupada pelos britânicos no século 17, se tornou um protetorado em 1892 e só se tornou independente em 1971, quando as tropas inglesas foram embora e eles se juntaram e fundaram país-federação.
Ou seja, Dubai é uma cidade de população global e um caso único do que o poder de uma pessoa, o xeique-dono-do-emirado, Sua Alteza Shaikh Mohammed bin Rashid Al Maktoum, conhecido como Shaikh Mo, conseguiu realizar com todo o nouveau dinheirão que jorrou do meio do deserto no fim da década de 1960.
Até então, Dubai era só um vilarejo que sobrevivia, havia cinco séculos, da renda humilde dos pescadores de pérola. Mas também muita dívida: os outros emirados dos EAU, apesar de também terem óleo — e Abu Dhabi ser muito mais ryka que Dubai — não têm a mesma opulência.
Curiosidade: o Shaikh amado por todos os dubaienses tem duas esposas e 23 filhos. E tem fotos dele por todos os lados. Tomei sol na piscina do topo do hotel Four Seasons DIFC com a foto dele no alto de um dos prédios vizinhos olhando para mim. {Confira a crítica completa do hotel Four Seasons DIFC, clicando aqui.}
O CALOR — E O FRIO — DO DESERTO
Na foto, morrendo de calor na praia Kite Beach; e não pense que entrar na água — também quente — vai aliviar. Imagem: Shoichi Iwashita
Se você acha que todos os países próximos à linha do Equador são sempre quentes, sem verão ou inverno, apenas com uma estação seca e outra chuvosa, reconsidere. Os países da Península Arábica, ou melhor, os países do deserto, têm verão e têm inverno.
E você deve muito evitar o verão, principalmente entre os meses de maio a setembro, quando a temperatura pode chegar a quarenta e nove graus Celsius durante o dia, ou seja, suportável apenas para as formigas prateadas do Saara. Ver todos os homens e mulheres, árabes e emiradenses e indianos, com aquelas roupas fechadas, de calças e mangas compridas — sempre com camiseta por baixo —, alguns com tecidos sintéticos, com as cabeças cobertas por lenços e mais lenços, aumenta ainda mais a sensação de sufocamento.
Dubai tem vários terraços com vistas lindas, em restaurantes e bares, mas todos eles ficam fechados durante o verão; porque nem à noite a temperatura é amena (acima dos 30º C; os passeios pela região antiga da cidade tampouco funcionam nesses meses mais quentes).
Uma caminhada de cinco minutos te deixa pingando suor; um passeio um pouco mais longo pode causar um desconforto físico tamanho que vai te fazer pegar o primeiro táxi — todos com ar-condicionado, uma necessidade de primeiro grau — e querer passar o resto do dia trancado no quarto com o ar na temperatura mínima e com o blackout fechado. Por isso, prefira sempre o inverno, entre dezembro e março, quando a temperatura varia entre 14º C e 23º C.
NÃO TEM CHUVA, NÃO TEM RIO: DE ONDE VEM A ÁGUA DE DUBAI?
O máximo da opulência é ver campos de golfe e jardins esverdejantes no meio do deserto irrigados com a cara água dessalinizada. Na foto, outro lindo campo de golfe de Dubai, o Montgomerie Dubai.
Dubai é uma cidade no meio do deserto, com 2,3 milhões de habitantes e sem acesso natural à água doce; o histórico Dubai Creek, o nem tão pequeno riacho que corta a região onde o emirado nasceu, é de água salgada. E o fato de que lá chove, no máximo, dois dias por ano, sempre em algum momento entre os meses de dezembro e janeiro, me fizeram questionar como eles conseguem manter lindos e verdejantes jardins nos parques e enormes residências — incluindo o Palácio Za’abeel, residência do Shaikh Mo, que parece um oásis —, e até um campo de golfe de 18 buracos de par 71 no meio da cidade.
Por isso 99% de toda a água utilizada nas casas — e também aquelas que você vai comprar para beber em garrafinhas PET; da marca Mai Dubai, por exemplo — vêm do mar e só podem ser consumidas através de um caro processo de dessalinização (para você ter uma ideia, o Oriente Médio responde por 75% de toda a água dessalinizada do mundo).
Já o esgoto é retirado das casas e prédios por uma frota de caminhões, levado para uma usina onde ele é tratado, e a água resultante deste processo é utilizada para aguar os parques e jardins da cidade. A única água mineral para beber, da fonte, dos Emirados Árabes Unidos é a da marca Masafi, que vem do emirado de Ras Al Khaimah, que tem água nas montanhas.
Enquanto isso, o campo do Dubai Creek Golf & Yacht Club consome 450 milhões de litros de água doce por mês para se manter verde. E é de lá que sai um dos nossos passeios favoritos na cidade, o passeio de hidroavião da Seawings, saiba como foi a experiência e veja as fotos, clicando aqui.
A CIDADE DOS SUPERLATIVOS
O hotel Atlantis e o parque áquatico que ficam na extremidade da ilha artificial The Palm. Imagem: Dubai | Divulgação
A melhor companhia aérea e maior operadora de A380 do mundo: a Emirates, com mais de 80 aviões A380 e mais de 140 Boeing 777. O prédio mais alto do mundo: o Burj Khalifa, com 829,8 metros de altura, divididos em 163 andares e com 57 elevadores — um deles “viaja” impressionantes 504 metros —, que abriga também a maior fonte do mundo, com jatos que podem chegar a 130 metros de altura. Uma mini estação de esqui dentro do Emirates Mall, com cinco pistas — incluindo uma black — e 60 centímetros de neve de verdade. O maior shopping do mundo: o Dubai Mall, com mais de 1200 lojas, incluindo um dos maiores aquários do mundo, com um tanque de 10 milhões de litros de água. E as famosas ilhas artificiais. Dubai é um constante exercício que testa os limites da engenharia.
Além da The Palm, na foto acima, onde fica o hotel Atlantis e o parque aquático, já tem mais uma, a Palm Jebel Ali, ainda maior que a The Palm; a Palm Deira, que será oito vezes maior que a The Palm; e outro condomínio em formato de mapa-mundi, o The World, que está em construção desde 2003 — sem previsão de ficar pronto —, que vão fazer com que a costa de Dubai passe de 60 quilômetros — a natural — para um total de setecentos e cinquenta quilômetros de costa artificial, quando todas as ilhas estiverem prontas.
Claro, não havia rocha e areia suficiente para criar essas ilhas e eles tiveram de importar tudo para que elas fossem construídas. Tudo em Dubai é construído para ser um marco. Mas, interessantemente, com toda a audácia e o dinheiro que eles têm, não há nenhum edifício assinado pelos grandes nomes da arquitetura contemporânea. Me disseram que os árabes não têm muito apreço por arquitetos, e sim por engenheiros.
SEGURANÇA E A POLÍCIA DE FERRARI
Uma das muitas vitrines espalhadas pelo soukh de ouro, no bairro de Al Ras, à beira do Dubai Creek. Imagem: Shoichi Iwashita
Numa cidade do tamanho de Belo Horizonte que concentra 42 mil milionários e 11 bilionários (sem contar os ricos de Abu Dhabi, que estão a uma hora de carro daqui), como a polícia faz para alcançar as máquinas possantes dos infratores? Tendo os mesmos carros que eles, claro.
Por isso, não se assuste se você vir um carro de polícia Aston Martin One-77 (que custa US$ 1,8 milhão), Ferrari FF (US$ 500 mil), Lamborghini Aventador (US$ 400 mil), Bentley, Camaro, algumas Mercedes SLS. Todos eles fazem parte da frota da polícia de Dubai.
As leis rígidas (você não pode nem ter dívida porque a punição é prisão; cuidado se for morar e trabalhar lá) e a cultura muçulmana fazem com que Dubai seja uma das cidades mais seguras do mundo. É impressionante ver quilos de ouro expostos nas simples vitrines das mais de 250 joalherias no soukh, que fica numa região nada elegante, sem vidros blindados, sem seguranças, só com câmeras (eles nem tiram as joias das vitrines depois que as lojas fecham; aqui no Brasil, até dentro dos shoppings, elas vão para o cofre). E você pode comprar a quantidade que quiser e sair andando pelas ruas tranquilamente.
BRUNCH AQUI É NA SEXTA
O delicioso American Toast Elvis, com custard de canela, casquinha de açúcar, banana caramelizada e muito amendoim, no Firebird, restaurante do hotel Four Seasons DIFC. Imagem: Shoichi Iwashita
O conceito de fim de semana não existia nos países muçulmanos e foi uma ideia importada do Ocidente. Apesar de a sexta-feira ser sagrada para os muçulmanos (foi o dia em que importantes versos do Alcorão foram revelados, quando acontece a Ressurreição, foi o dia que Adão nasceu, o dia que ele entrou no Jardim do Éden — e que dele foi expulso —, e também o dia que ele morreu), a restrição para a abertura de estabelecimentos comerciais é apenas quando os homens se reúnem para rezar (que é um compromisso semanal bem importante para os muçulmanos), o que acontece por volta do meio-dia.
Por isso, nos diferentes países árabes, o fim de semana acontece em dias diferentes. Na Arábia Saudita, até recentemente, era quinta e sexta, e em Dubai, os dias de descanso caem na sexta e no sábado (domingo é a segunda-feira dos emirati, o primeiro dia útil da semana). Por isso, dia de brunch em Dubai — que todo bom hotel e restaurante bom têm — é na sexta.
ONDE TOMAR UM DRINK ALCOÓLICO E COMER CARNE DE PORCO?
Na foto, drinques à vontade no Mercury Lounge, bar no topo do Four Seasons Jumeirah. Imagem: Divulgação
O Islã proíbe o consumo de álcool (investidores árabes nem investem em ações de empresas de jogos, cigarros ou bebidas, por convicção religiosa). Mas Dubai, com essa população enorme de estrangeiros expatriados — hindus, cristãos, ateus —, abre exceções.
Têm licença para vender bebidas alcoólicas apenas hotéis e os restaurantes instalados no bairro DIFC, o Dubai International Financial Center, que têm leis diferentes do resto do emirado e do país, por ser uma zona de livre comércio internacional (pessoas físicas também podem conseguir uma licença para ter bebida alcoólica em casa, mas não muito).
Cheguei a ir a um supermercado para ver como era. Na seção de bebidas, quando vi um pacote de quatro cervejas long neck, me aproximei e li “non-alcoholic”. Depois vi algumas garrafas parecidas com as de champagne (com coiffe, muselet e tudo), mas a alegria durou pouco: eram “suco de uva espumante”.
Com relação à carne de porco a mesma coisa. Apesar de a religião muçulmana também proibir o consumo de carne de porco, alguns restaurantes, como o hotel Armani Dubai, que tem cinco restaurantes, possuem um discreto Pork Room, onde você pode degustar prosciutti crudi. Nos supermercados maiores e frequentados por expatriados ocidentais, você também vai encontrar uma sala, geralmente de canto e fechada por uma porta, com a inscrição Non-Muslim Food.
DUBAI, UM DESTINO DE PRAIA?
A Kite Beach com a vista para o mítico hotel Burj Al Arab. Imagem: Shoichi Iwashita
Eu estava tão interessado em procurar vivências da cultura beduína, entender todas as vestimentas que eles usam para sentir como era estar completamente coberto sob 42º C (passei dois dias vestindo a roupa dos emiradenses: a dishdasha, o camisão que vai até os pés ; com a ghutra, o lenço branco que vai na cabeça sobre a ghafiyah, um gorrinho curto de crochês, preso pelo agal, a corda preta), que nem consegui associar a areia, o sol e o mar com o vestir uma sunga e aproveitar um dia de praia mergulhando no Golfo Pérsico (pense que a 150 quilômetros daqui, na outra margem, está o Irã).
Talvez por isso eu tenha ficado tão chocado quando cheguei a Kite Beach, essa praia com vista para o Burj Al Arab, que me fez me sentir em Venice ou Miami Beach, com sua larga faixa de areia (branquinha, limpa e macia); calçadão para caminhada, corrida ou bike e estações para fazer exercícios; quadras de vôlei de praia; possibilidade de fazer kite surf ou stand-up-paddle; vários quiosques de sucos e smoothies naturais, restaurantes e hamburguerias (a maioria de franquias internacionais, vá almoçar no Salt e tomar um suco de frutas frescas no Jamba Juice); banheiros (só não deixe de ir de chinelos, porque o chão parece uma piscina de tanta água, o que não é nada higiênico, e ainda assim vai dar um nojinho); duchas na areia; estacionamento; e um público muito diferente daquele a que estamos acostumados nas praias ocidentais.
Só não espere contar com a água do mar do Golfo para aliviar do calor o deserto: a temperatura da água extremamente salgada — grande parte do sal do processo de dessalinização da água para consumo humano é jogada de volta no mar — no mês de setembro pode chegar a 34º C; praticamente um ofuro em casa (muitos hotéis precisam resfriar a água das piscinas). P.S. Obrigado Filipe Pacheco pelo convite, se não fosse por você eu nunca teria ido pra praia em Dubai! :- )
Shoichi, amo amo amo seus posts. Confesso que em todas as oportunidades que tive de conhecer o destino, acabei ficando só no aeroporto e curtindo mais dias no destino final… Mas seu post me fez ter vontade de conhecer Dubai. Gosto de lugares diferentes, com personalidade própria… Achava que Dubai não tinha isso, mas acabo de concluir que ISSO é justamente a personalidade excêntrica, que faz de Dubai justamente algo único e diferente. Beijos!
Lalá, pois é, eu fui cheio de preconceitos e confesso que só decidi parar lá porque estava indo pro Japão pela Emirates (não viajaria só para ir para Dubai)… E é muito isso o que você falou: partindo dos princípios de viagem a que estamos acostumados (lugares que concentram beleza, história, gastronomia e uma beleza e sofisticação à la ocidentais), Dubai não é interessante. Mas, ela tem uma dinâmica própria, sabe? E eu acho que volto… Hahahahah Mas, da próxima vez quero explorar o Omã, que é pertinho e seguro, e onde me disseram que a gente consegue ter um contato muito forte e autêntica com a cultura beduína… Um beijo grande e obrigado pela honra da visita! <3
Olá, amei seus posts, mas quero fazer uma correção: nenhum muçulmano pode ter mais que 4 esposas ao mesmo tempo e SAR Sheikh Mohammad tem 2 esposas e não 5 como mencionou 🙂
Suriyewa, muito obrigado pela gentileza das explicações! Só que eu tenho uma dúvida: na minha pesquisa, li que o Sheikh Mohammad já teve “ao menos” cinco esposas e eles apenas citam sempre a Sheikha Hind e a Princesa Haya, mas não encontrei nenhuma informação sobre o que aconteceram com as outras. Você saberia me informar?