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Megève: A história do mítico vilarejo, um autêntico village savoyarde que foi a primeira estação de esqui da França

A iluminação noturna da igreja de São João Batista — église Saint-Jean-Baptiste de Megève —, o coração do vilarejo, ao lado da qual ficam as lojas da Hermès e a AAllard, e em cuja praça acontece a feira de domingo. Imagem: Shoichi Iwashita

Coladinho ao Mont-Blanc, a primeira coisa a saber ao escolher a mítica Megève como destino de esqui é que só existe um hotel ski-in-ski-out — ou ski à pieds, como dizem os franceses; e que não fica no centro do vilarejo. Ou seja, é sempre preciso caminhar como um robô com o pesado equipamento ou pegar o carro do hotel para chegar a um dos teleféricos que levam para os 450 quilômetros de pistas distribuídas nos quatro maciços montanhosos que circundam Megève: Mont-Blanc, Beaufortain, Aravis e Giffre. Isso porque Megève, vilarejo alpino que se tornou a primeira estação de esqui da França, é uma estação de première génération; o que quer dizer: tem uma história além do esqui. 

Assim como Chamonix, as estações de primeira geração são aquelas que foram construídas a partir da década de 1920 ao redor de vilarejos históricos, em pastagens alpinas entre 900 e 1.200 metros de altitude — altitudes mais baixas se comparadas com as estações de esqui de segunda e terceira gerações que seriam construídas mais tarde, nos anos 1960, 1970 e 1980, a partir dos 1.600 metros de altitude; com resorts de esqui já pensados para o turismo de esporte. 

E, aí, tem uma informação importante: em tempos de aquecimento global, é preciso saber que essa menor altitude interfere diretamente na quantidade de neve, rareando em ritmo acelerado e de forma preocupante nos últimos anos. Pode ser que, principalmente no início e no fim da temporada (e, às vezes, até mesmo em janeiro), o vilarejo esteja completamente sem neve e o esqui só seja possível em algumas pistas abertas no topo das montanhas. 

A falta de hotéis ski-in-ski-out, no entanto, reflete justamente a razão do charme de Megève, que tem hotéis de luxo, restaurantes estrelados, lojas de grandes marcas, sem deixar de ser um vilarejo centenário, com uma vida real e rural, que vai além da prática do esporte, além do inverno. O fato de que 70% dos frequentadores de Megève sejam franceses também diz bastante sobre o destino. 

Além de um centrinho charmoso, entrecortado por riachos e com trânsito exclusivo para pedestres e carruagens, Megève tem igrejas históricas, escolas, cinemas, livrarias, cemitérios, e pequenos produtores, muitos dos quais ainda moram e produzem no próprio vilarejo, e que você encontra nas feiras de sexta-feira no estacionamento do Palais e, aos domingos, na praça da igreja. 

Para completar a combinação da felicidade gustativa, tem chefs, chefs pâtissiers, chocolatiers, confiseurs, boulangers que nasceram e decidiram abrir aqui seus negócios. E graças a essa combinação de criadores e produtores, esses “artesãos do gosto” conseguem desenvolver uma gastronomia de montanha genuína, com ingredientes megèvans — e isso, para mim, faz toda a diferença em um destino. É por conta dessa herança agrícola que muitos hotéis e restaurantes de Megève levam no nome a palavra “ferme”, “fazenda” em francês. 

 
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MEGÈVE, A PRIMEIRA ESTAÇÃO DE ESQUI DA FRANÇA, GRAÇAS À UMA ROTHSCHILD

Megève no começo do século 20, quando o vilarejo se transforma em um destino de inverno para o jet-set internacional. Imagem copyright: Tops Socquet.

Antes de se tornar uma das mais famosas estações de esqui do mundo, Megève já atraía pessoas em busca de ar puro e benéfico para o tratamento de doenças — desde os anos 1900, era considerada como uma station climatique — e viajantes-peregrinos-católicos que vinham visitar seu Calvário: 14 capelas e oratórios, todos hoje restaurados, construídos por um padre entre 1840 e 1878, ao longo da encosta de uma colina que parte do centro do vilarejo, dedicados a retratar o martírio da Paixão de Cristo. 

Megève também atraía alpinistas ingleses que vinham escalar o Mont-Blanc, a montanha mais alta da Europa ocidental e a sétima montanha mais alta do continente europeu, com seus majestosos 4.808 metros de altitude — aventura muitas vezes fatal —, quando as montanhas desse vilarejo bucólico e rural serviam de pasto para vacas, cabras e ovelhas; e a neve nunca era bem-vinda. 

As coisas mudam com a Primeira Guerra Mundial. Filha de uma família de banqueiros judeus, os Péreire, e casada com o herdeiro de uma família ainda-mais-rica de banqueiros judeus, os Rothschild, a parisiense Noémie era frequentadora da estação de esqui suíça de St. Moritz. Mas, logo após a guerra que durou de 1914 a 1917, sem querer mais socializar com alemães bebendo champagne — França e Alemanha são inimigas desde a Guerra Franco-Germânica na década de 1870 —, ela decide construir em território francês uma estação de esqui que rivalizasse com Sankt Moritz. 

Nas proximidades e com vista para o Mont-Blanc, a baronne compra hectares e mais hectares de pastagens no Mont d’Arbois, uma das montanhas que circundam Megève. Seu primeiro hotel, o Hôtel du Mont d’Arbois, aberto em 1921, teve como primeiro hóspede o rei Alberto I da Bélgica. É assim que Megève entraria no circuito mundial de nobres, ricos e famosos.

O território que ganhou o nome de Domaine du Mont d’Arbois é até hoje um complexo administrado pela família Rothschild; agora pela baronesa Ariane. Dele fazem parte o hotel Four Seasons Megève, o único hotel ski-in-ski-out de Megève, mas afastado 2,5 km do centrinho do vilarejo; os Chalets du Mont d’Arbois, uma construção histórica transformada em hotel, mais tradicional e centralizado, também administrado pela rede Four Seasons; e um campo de golfe de 18 buracos, os spas e restaurantes de ambos os hotéis – incluindo o La Dame de Pic, da chef mais estrelada do mundo, Anne-Sophie Pic. O domaine ainda abriga dois bons restaurantes no alto das montanhas: a Trattoria de la Taverne e o Idéal 1850

DA ARQUITETURA ALPINA À CRIAÇÃO DA CALÇA FUSEAU

Um dos muitos chalets du skieur projetados por Henry Jacques Le Même em Megève.
Um dos muitos chalets du skieur — que se tornou uma referência para a arquitetura das casas alpinas — projetados por Henry Jacques Le Même em Megève. Imagem: Shoichi Iwashita
A loja AAllard, aberta em 1926 na pracinha da igreja (o coração de Megève), é o único projeto de Le Même possível de visitar. Imagem: Shoichi Iwashita

Mas o sonho de Noémie não seria possível se ela não tivesse encontrado o homem capaz de realizar seus sonhos. Estudante de belas-artes nascido em Nantes, Henry Jacques Le Même não tinha nem 30 anos de idade quando, ao fazer um tratamento de ar puro das montanhas, conheceu Noémie de Rothschild. A casa que ela mandou construir em Megève foi o primeiro projeto de Le Même — hoje uma das opções de hospedagem no inventário do hotel Four Seasons Megève — e foi o ponto de partida para o “chalet du skieur”, uma casa de montanha para os “veranistas” de inverno. 

O chalé do esquiador foi pensado para atender as necessidades dos primeiros turistas citadinos que passavam temporadas na montanha para esquiar. Com interiores confortáveis, a construção de três andares abriga lareira, janelas com vista para a paisagem, uma varanda protegida das tempestades e uma sala para armazenar, secar e encerar os esquis. Enquanto o primeiro andar acomoda a área social, e o segundo (o sótão), os aposentos íntimos — com o teto inclinado —, o térreo, construído em pedra, é reservado para acomodar a parte técnica: o aquecimento, o estoque alimentos e de madeira para as lareiras, e a sala de esqui, com o piso em cerâmica para que o proprietário possa entrar em casa com a roupa molhada e suas botas de esqui. 

O conceito inovador foi um sucesso e virou uma referência de construção alpina. Toda a burguesia e aristocracia francesas encomendaram seus chalés para a baronne e Le Même. Foram mais de 100 chalés construídos em Megève, ainda hoje residências particulares; o que, infelizmente, impede a visitação. O único projeto de Le Même possível de ser visitado é a loja AAllard no coração do vilarejo, aberta em 1926. Foi Armand Allard quem inventou, em 1930, a calça fuseau — aquela calça justa com uma tira para prender o pé, que ultrapassou as fronteiras das pistas e ganhou as passarelas e as ruas de todo o mundo na década de 1980 — para atender as necessidades do campeão Emile Allais, que queria uma calça de esqui mais prática. 

Além do chalet du skieur e da calça fuseau, foi em Megève também que nasceu o conceito de après-ski festivo. 

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Shoichi Iwashita

Compulsivo por informação e colecionador de moleskines com anotações de viagens e restaurantes, Shoichi Iwashita se dedica a compartilhar seu repertório através das matérias que escreve para a Simonde e revistas como Robb Report Brasil, TOP Destinos, The Traveller, Luxury Travel e Unquiet.

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